O projeto fere o princípio de que a pena não pode ir além do condenado, porque atinge a família. “Ao retirar benefícios como o Bolsa Família e o BPC ele está penalizando toda a família — as crianças, os jovens, os filhos, os dependentes”, critica Patrus Ananias.
Sob protesto e com o voto contrário da Bancada do PT, a Câmara aprovou na noite desta terça-feira (21), o texto-base do projeto de lei (PL 709/23), do deputado Marcos Pollon (PL-MS), que criminaliza a luta social pela reforma agrária e por moradia no País. Segundo a proposta, que foi duramente criticada pelos parlamentares petistas, qualquer pessoa que ocupar terras ou edificações, públicas ou privadas, será proibida de realizar concurso público, ocupar cargo na administração pública ou fechar contratos com a União, estados ou municípios. Também será privada de receber qualquer tipo de auxílio público, como Bolsa Família, Auxílio-Gás, BPC (Benefício de Prestação Continuada) entre outros.
Os parlamentares ainda vão apreciar, na sessão marcada para amanhã, dois destaques que foram apresentados ao texto. Todas as emendas votadas hoje para tentar reduzir os danos da proposta forma rejeitadas pelo plenário.
O deputado Patrus Ananias (PT-MG), ao defender a rejeição do projeto, afirmou que a proposta é manifestamente inconstitucional. “Aprovar esse projeto é afrontar esta Câmara. Nós estamos, mais uma vez, preparando a cama para o Supremo Tribunal Federal”, alertou. Patrus explicou que a proposta fere o princípio de individualização da pena, porque estabelece uma pena genérica para todas as pessoas ali envolvidas. “E nós sabemos que o direito penal, à luz da Constituição, pressupõe o exame de cada caso concreto”, ponderou.
O parlamentar explicou ainda que o projeto fere também o princípio de que a pena não pode ir além do condenado, porque atinge a família. “Ao retirar benefícios como o Bolsa Família e o BPC ele está penalizando toda a família — as crianças, os jovens, os filhos, os dependentes”.
Para Patrus, proibir que a pessoa possa realizar concurso, assumir cargo ou ter contrato com a administração pública também é uma ofensa à Constituição brasileira.
Guerra civil no campo
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou o projeto vai aumentar a violência no campo. Ele alertou que o PL 709 está colado em outro (o PL 8.262/2017), que está para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça. “Vejam bem: o PL 8.262 diz que, se houver uma invasão, aqueles que estão ocupando a terra podem ser afastados por meios próprios do dono da propriedade. Está aqui: ‘O possuidor turbado (…) poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força’. Isso aqui, pessoal, é incentivar a guerra civil no campo. É um retrocesso gigantesco! Isso aqui é guerra civil no campo. O PL 709/23, é criminoso”, denunciou.
“Nós sabemos que existem lutas sociais, que existem classes sociais. Quando olhamos para a história, vemos isso. E o Estado tem que servir para fazer essa mediação. Existe o direito à propriedade, sim, mas existem os direitos coletivos, o direito à reforma agrária. A criminalização aqui é gritante. Isto aqui é a consolidação de um Estado que não é democrático, que não faz esse papel de regulação, de intermediação. É quase uma ditadura de classe”, criticou.
Lindbergh explicou que o projeto está colocando os mais pobres numa situação quase de Estado de Exceção. “As pessoas não vão poder acessar o Minha Casa, Minha Vida, os benefícios previdenciários, o Bolsa Família, não vão poder fazer concurso público. Está errado. Isso é violência! Nem em caso de crimes contra a vida as pessoas perdem todos esses direitos. Estão apontando para o caminho de guerra civil, de retirada do Estado, de uso de milícias armadas para resolver problemas sociais”, reiterou.
Não existe justiça
Lindbergh questionou ainda quem vai dizer que essa pessoa que ela vai ter essas penalidades? “Tiraram a justiça daqui. Não existe justiça. Essas pessoas não precisam estar condenadas. Não há trânsito em julgado. Que absurdo! Basta a identificação como participante direto ou indireto. Não há decisão judicial. Estão tirando o Estado, a justiça”, protestou.
O deputado explicou que ainda existe mais “loucuras” no projeto. “Vejam como é o processo: a autoridade policial identifica. A pessoa não está condenada. Vamos ao § 14: depois da identificação — imaginem a quantidade de abuso policial que pode existir —, ele, a autoridade policial encaminha um relatório no prazo de 10 dias úteis ao órgão federal responsável pela reforma agrária, o Incra, a quem caberá, em até 10 dias úteis, o registro no sistema próprio e a pessoa perde tudo”, criticou.
Grileiros
O deputado Tadeu Veneri (PT-PR) também criticou a inconstitucionalidade da proposta e questionou: “O texto inclui terras públicas. Os grileiros que entraram em terras públicas, que entraram em reservas indígenas, que tomaram terras do Estado e hoje se dizem fazendeiros também serão penalizados?”.
Veneri disse que é muito bonito fazer um discurso contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, como se o MST fosse um “monstro”. “Na verdade, vocês têm medo do MST, vocês têm medo da justiça social, vocês têm medo de perder aquilo que conseguiram muitas vezes de forma absolutamente questionável. É por esse medo que querem que esse projeto seja aprovado”, afirmou.
Reforma Agrária
Tadeu Veneri disse ainda que, se a ultradireita quer acabar com a ocupação de terra, o caminho é aprovar “aquilo que nós também queremos”, a reforma agrária. “Querem acabar com a reforma agrária? Não vão conseguir, porque, enquanto tivermos 1,68% dos produtores rurais com 49% das terras, haverá quem lute pela reforma agrária. E não será esse ou aquele deputado ou deputada que irá impedir. Não será porque vão perder cesta básica, porque vão ficar sem receber BPC, porque vão ficar sem concurso público que pessoas que não têm para onde ir, pessoas que não têm como fazer absolutamente mais nada da vida vão pedir licença e sair das propriedades que estão hoje ociosas e não cumpriram a função social”, afirmou.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) e os deputados petistas Bohn Gass (RS), Marcon (RS), Reimont (RJ) e Welter (PR) também criticaram a proposta.
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Texto-base aprovado
Pelo texto-base aprovado quem praticar o crime de invasão de domicílio ou de esbulho possessório (invadir, com violência à pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio), fica proibido de:
– participar do programa nacional de reforma agrária ou permanecer nele, se já estiver cadastrado, perdendo lote que ocupar; contratar com o poder público em todos os âmbitos federativos;
– receber benefícios ou incentivos fiscais, como créditos rurais;
– ser beneficiário de qualquer forma de regularização fundiária ou programa de assistência social, como Minha Casa Minha Vida; inscrever-se em concursos públicos ou processos seletivos para a nomeação em cargos, empregos ou funções públicos;
– ser nomeado em cargos públicos comissionados; e
– receber auxílios, benefícios e demais programas do governo federal.
A proibição, nos casos mencionados, é por oito anos, contados do trânsito em julgado da condenação.
Já para o caso de ser beneficiário de programa de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, a proibição de participar durará enquanto o indivíduo permanecer em propriedade alheia.
Vânia Rodrigues