Viúva, com cinco filhos, pensionista do INSS e moradora de uma comunidade do Jardim Elba, na Zona Leste de São Paulo. A diarista Lizete Pereira, de 53 anos, é personagem de matéria do portal G1 sobre mais uma pesquisa acerca da deterioração do mercado de trabalho brasileiro. O levantamento, da consultoria IDados, revela que a renda média do trabalho encolheu ao menor nível desde 2017.
A história de Lizete é retrato fiel da situação. Após um ano praticamente sem trabalhar, ela voltou a fazer faxina, mas em condições pioradas. “Tem semana que trabalho de segunda a sexta, tem semana que é só um dia e chega a ter semana que não trabalho. Só tenho uma casa que é toda semana. O resto é a cada 15, 20 dias. E voltei recebendo menos porque o valor de antes da pandemia a maioria acha que está caro”, conta.
O estudo foi elaborado com base nos indicadores dos últimos 40 anos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ele aponta que a renda média real do trabalho ficou em R$ 2.433 no segundo trimestre de 2021, queda de quase 7% na comparação com o mesmo período de 2020 (R$ 2.613), já descontada a inflação do período.
Autor da pesquisa, Bruno Ottoni disse ao G1 que desemprego elevado, aumento do trabalho por conta própria, subocupação recorde e inflação descontrolada são as principais causas da perda do poder de compra dos trabalhadores.
Ele ressalta que o aumento da renda real média registrado em 2020 foi “artificial”, devido ao maior número de desocupados nas atividades com menor remuneração, principalmente trabalhadores informais e por conta própria. Nos próximos meses, a multidão de desempregados em busca de oportunidade e a retomada dos setores que concentram as remunerações mais baixas vão levar a um achatamento ainda maior.
Ao fim do segundo trimestre, o Brasil ainda tinha menos 6,7 milhões de pessoas com alguma ocupação em comparação com o período pré-Covid. Em dezembro de 2019, havia 94,5 milhões de pessoas trabalhando. Agora, são 87,8 milhões. Com o fim do auxílio emergencial, as pessoas serão obrigadas a buscar alguma fonte de renda.
“Ainda são mais de 14 milhões de desempregados e a tendência é que as pessoas voltem subocupadas, ou seja, trabalhando menos horas do que gostariam e em empregos informais”, afirma o pesquisador do IDados. “Com mais gente nesses empregos que pagam menos, o rendimento médio vai cair mais. E as perspectivas de aumento da inflação só prejudicam ainda mais o quadro.”
Com o avanço da vacinação e a gradual reabertura das atividades, a retomada dos serviços tradicionais, que inclui restaurantes, lazer e serviços doméstico, não vai alterar positivamente o quadro. O estudo do IDados mostra que o setor agrupa uma das menores rendas médias, perdendo só para a agricultura.
“Quando as pessoas começarem a conseguir novamente empregos nesses serviços tradicionais, como a renda desse setor é mais baixa, isso provavelmente também vai puxar o rendimento médio para baixo”, afirma Ottoni, acrescentando que o desemprego elevado também contribui para reduzir os salários de admissão.
Referente apenas ao trabalho formal, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, registra salário médio de admissão de R$ 1.802 em julho. Na comparação com junho, houve uma redução real de -R$ 22,72.
Desemprego e inflação vão continuar altos
Segundo o pesquisador, a taxa de desemprego deve se manter acima de 12% até o final de 2022. Mas pode ultrapassar a casa dos 13%, conforme o agravamento da crise hídrica e da piora das expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB), inflação e taxa de juros.
O IBGE, que acompanha as oscilações do trabalho formal e informal, tem registrado crescimento do número de ocupados apenas em trabalho por conta própria. Além disso, o número de trabalhadores que trabalham menos horas do que poderiam trabalhar atingiu recorde de 7,5 milhões em junho.
Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou forte queda nas horas efetivamente trabalhadas que alcançaram apenas 78% das horas habituais. O percentual representa uma jornada semanal média efetiva de 30,7 horas.
Com disparada da inflação, que ultrapassa a barreira dos dois dígitos, cai até mesmo a renda dos empregados que tiveram algum reajuste salarial. O boletim Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), aponta que 50,5% dos acordos e convenções coletivas fechadas entre janeiro e agosto resultaram em reajustes abaixo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado até a data-base.
A pesquisa ainda mostra que apenas 22,1% das negociações resultaram em ganhos reais e que 27,3% dos reajustes empataram com o INPC. Em agosto, o reajuste mediano ficou 1,4 pontos percentuais abaixo do INPC, e apenas 9,5% das negociações resultaram em ganhos reais. A inflação projetada para as próximas datas base tende a se manter acima dos 10%, comprimindo o espaço para ganhos reais.
“A inflação corrói os rendimentos e, dada a situação de desaquecimento da economia, a tendência é que as negociações trabalhistas também não sejam muito favoráveis nos próximos meses. E isso tudo deve pressionar para baixo também a renda de quem tem carteira assinada”, afirma Ottoni.
Renda média mais baixa faz haver menos dinheiro circulando na economia. Segundo o IBGE, a massa mensal de rendimentos do trabalho somou R$ 215,5 bilhões em junho, 1,7% abaixo (menos R$ 3,8 bilhões) do patamar de junho de 2020. Além disso, ao final do segundo trimestre, 28,5% dos domicílios brasileiros sobreviviam sem nenhuma renda de trabalho, contra 25% no pré-pandemia, segundo o Ipea.
Em consequência, a Sondagem do Consumidor, índice da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que mede a confiança e a intenção de compras do consumidor brasileiro, caiu pela terceira vez consecutiva em setembro. O tombo foi de 6,5% em relação a agosto e de quase 8% em relação a setembro de 2020. As expectativas para os próximos meses caíram ainda mais, chegando a quase 10 pontos.
“A queda foi determinada pela combinação de fatores que já vinham afetando a confiança em meses anteriores, como a inflação e desemprego elevados, e de novos fatores, como o risco de crise energética e o aumento da incerteza econômica e política”, explica Viviane Seda Bittencourt, Coordenadora das Sondagens da FGV.
Segundo a economista, “o pessimismo é maior entre as famílias de menor poder aquisitivo – cujas expectativas em relação à evolução da situação econômica geral são as piores desde abril de 2016 – mas é bastante disseminado entre todas as faixas de renda”.
Da Agência PT de Notícias