A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça é um tiro que tem tudo para sair pela culatra do combate à corrupção, na medida em que fragiliza a eficiência de todo o aparato de fiscalização. O alerta é de servidores de Estado especializados no combate às fraudes financeiras, sonegação e lavagem de dinheiro.
“Distanciar a Receita Federal do controle sobre essas atividades nunca é uma boa ideia”, aponta o ex-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita, Paulo Gil Introíni. A Receita, que está no âmbito da Fazenda (agora Ministério da Economia), a responsável pela fiscalização tributária.
Holofotes – Criado em 1998, o Coaf ganhou os holofotes a partir de um relatório do órgão apontando “movimentações atípicas” nas contas do ex-PM Fabrício Queiroz.
Assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Queiroz movimentou valores que ultrapassam R$ 1,2 milhão — além de fazer um depósito não explicado de R$ 24 mil na conta da atual primeira dama do País, Michelle Bolsonaro.
“Se o Coaf já estivesse sob o comando do Ministério da Justiça, teria produzido espontaneamente o relatório da forma como se tornou conhecido pelos investigadores e pela sociedade?”, questiona o auditor-fiscal da Receita Federal Wilson Luiz Müller.
Efeito oposto – Müller, hoje aposentado, tem larga experiência na coordenação de operações de combate a fraudes fiscais, corrupção e lavagem de dinheiro. Com essa bagagem, ele está cético que a mudança no Coaf possa favorecer o combate à corrupção.
Pelo contrário. Para Müller, a transferência do órgão para o Ministério da Justiça cria entraves de ordem legal e organizacional que podem contribuir para um efeito oposto ao pretendido.
Sigilos – Os relatórios do Coaf geralmente tratam de informações protegidas pelos sigilos bancário e fiscal, que só podem ser acessados por auditores-fiscais da Receita Federal, conforme definido no Código Tributário Nacional (CTN) e em leis específicas — Ministério Público e Polícia Federal, por exemplo, só podem ter acesso a esses dados mediante ordem judicial.
Levar o Coaf para o MJ significa uma de três hipóteses: auditores da Receita ficariam à disposição para acessar os dados ou o órgão sobrecarregaria a Justiça solicitando autorizações para que outros servidores analisassem as informações.
A terceira possibilidade — outros servidores que não os auditores da Receita acessarem os dados sem ordem judicial — implicaria um prejuízo incalculável ao interesse público, decorrente da nulidade dos processos.
Impunidade – “Não existe nada pior para os órgãos de fiscalização e investigação do que ver a anulação dos processos nas instâncias superiores por falhas formais ou ilegalidades cometidas na coleta de provas”, lembra Müller.
Isso não só tira o ânimo dos agentes, mas também joga do lado da impunidade. “Com as gambiarras que estão sendo estudadas de modo a permitir a transferência do COAF para o MJ, são grandes as chances de que isso venha a ocorrer”, alerta o auditor Müller.
Instrumento de perseguição – Outro problema grave da transferência do Coaf para o Ministério da Justiça é o risco ao princípio da impessoalidade que deve imperar nas ações do Estado sob a vigência da democracia.
Em países onde vigora o Estado de direito, a atividade de seleção de pessoas e empresas a serem investigadas está sempre separada das atividades operacionais de investigação.
Essa separação é essencial para impedir que se use os órgãos de Estado voltados ao controle e fiscalização como ferramenta de perseguição política. Quando as atividades de seleção se misturam com as de investigação, todos os cidadãos e empresas passam a ser alvos em potencial.
“Jornalistas, advogados, empresários, políticos… Qualquer um pode ser alvo de investigação pelo simples fato de exercer o direito de crítica”, alerta Müller.
Incremento à corrupção – “Permitir que os investigadores participem diretamente da escolha dos investigados abre caminho para o incremento da corrupção, na medida em que esse agente passa a dispor de um poder muito valioso, tanto para agir em relação ao alvo escolhido pessoalmente, como para deixar de agir”, ressalta o auditor.
Sim, porque da mesma maneira que se pode escolher a quem investigar, também se pode escolher a quem blindar.
O modelo adotado por Bolsonaro e seu “superministro” da Justiça, Sérgio Moro, para o Coaf é “utilizado por muitos países com baixo apego aos direitos democráticos”, lembra Müller.
Do PT no Senado