O ministro José Eduardo Cardozo, advogado-geral da União, retornou ao Senado nesta quinta-feira (5) para nova defesa da presidenta Dilma Rousseff na comissão especial do impeachment, menos de 24 horas depois da leitura do relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) recomendando o impeachment da presidente. Cardozo concluiu o que a bancada do PT vem denunciando desde o início do processo: a oposição não consegue mostrar quais crimes de responsabilidade Dilma teria cometido.
Após elencar os pontos de debilidade contidos no relatório de Anastasia, que hora recorre à lei do impeachment, ora ao Código do Processo Penal, tudo para justificar o afastamento sem crime de Dilma, como anseia a oposição, o ministro Cardozo conversou com a imprensa e também falou da recente decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara e até mesmo de seu mandato. Disse o ministro, no caso de Cunha o conjunto da obra vale, mas aqui na comissão do impeachment discute-se duas coisas e a ela os senadores, como juízes, devem se ater: seis decretos de crédito suplementar e Plano Safra. Mas nem Anastasia, relator, nem outros senadores da oposição conseguem apontar “o crime”. Abaixo, entrevista coletiva dada pelo ministro Cardozo:
Repórter – Porque a defesa pediu a suspeição do relator, o senador Antônio Anastasia?
José Eduardo Cardozo – Quando nós levantamos a suspeição, não era pela capacidade pessoal, pela erudição intelectual do senador Antônio Anastasia. Ele é um professor. Mas é evidente que esse é um processo de impeachment feito por pessoas filiadas ao partido do senador Anastasia, o PSDB, por uma advogada que foi contratada pelo partido para estudar o caso do impeachment e que, portanto, é óbvio que o partido já tomou uma posição e que tem puxado esse processo de impeachment no Brasil. Vai influenciar efetivamente aquele relator que pertence a esse partido. Foi essa a questão que colocamos e o resultado revelou isso. Apesar de todo o conhecimento notório e indiscutível do senador Anastasia, no relatório ele omite situações, ou seja, ele não enfrenta a situação de dolo da presidenta da República. Ele não diz qual é o ato pelo qual a presidenta da República está sendo acusada, no caso as chamadas pedaladas fiscais; ele embaralha conceitos. Nós temos conceitos ali no relatório em que ele fala que o excesso de arrecadação tem que ser no geral. Não é assim, é do órgão. Então, é uma construção inteligentemente feita, mas que expressa uma vontade de condenar, uma vontade política, inclusive, de certa forma, na premissa da qual parte o senador Anastasia, ao dizer que não se aplica os princípios penais. Ele tenta, com isso, até atenuar a situação que é óbvia nesse caso, ou seja, que se quer afastar a presidenta da República sem nenhuma base constitucional, com acusações fragilíssimas, com acusações que não se sustentam. E, tudo isso, dentro de um processo de votação iniciado por desvio de poder do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que o relator Anastasia não enfrentou. Ele não enfrentou em seu relatório o desvio de poder de Eduardo Cunha. Então, são coisas que efetivamente mostram que ali havia uma paixão partidária envolvida, uma paixão política e não uma análise isenta da situação posta ao relator.
O senhor acha que essa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados dá para pedir a nulidade da votação do impeachment na Câmara?
Me parece evidente e é uma constatação: nós estamos desde o início desse processo dizendo que havia um desvio de poder de Eduardo Cunha; que ele tinha utilizado esse processo de impeachment como vingança e como modus operandi seu, no sentido de criar uma situação que ele não pudesse vir a ter cassado seu mandato. O que hoje decidiu o Supremo Tribunal Federal é a prova disso; que ele usa seu mandato e a presidência da Câmara para evidentemente atingir fins que não são aqueles para os quais ele deveria usar essa competência. O processo de impeachment é mais um desses fatos. Fica evidente com a decisão do Supremo que se comprovou lateralmente aquilo que nós dissemos desde o início: o processo de impeachment ocorreu por uma pessoa que despudoradamente utiliza o seu poder para intentos pessoais; para tentar fugir de acusações que são colocadas. Ora, dentre os vários fatos que levaram o afastamento de Eduardo Cunha o impeachment se insere. Então, será que alguém terá dúvida disso. O relatório do senador Anastasia não fala se houve vingança (de Cunha contra Dilma), não enfrenta essa decisão e fala que a decisão foi motivada por razões técnicas. Tudo o que o presidente da Câmara Eduardo Cunha fez é motivado por razões técnicas. A justificativa sobre porque ele paralisava o funcionamento da comissão de ética, tudo é devidamente justificado aparentemente. Mas o que ele quer é outro objetivo e agora com essa decisão do Supremo ficou clarissimamente comprovado que o modus operandi do presidente da Câmara Eduardo Cunha é o desvio de poder. E é o que aconteceu na instalação desse processo, por isso é nulo.
Mas vocês (governo) vão usar isso, algum argumento, algum recurso?
Veja, em relação à judicialização, nós veremos no momento oportuno. Sempre tenho dito: na hora que acharmos que temos que ir, nós iremos (ao STF). Agora, como é que vão dizer no próprio Poder Legislativo que não teve desvio de poder se esse é o modus operandi de Eduardo Cunha. Ele foi afastado da Câmara dos Deputados e do seu mandato por causa disso. Eu acho que aqueles que defendem a legalidade do impeachment e que tentam não discutir o pecado original dele agora estão colocados em cheque.
Uma coisa para esclarecer, o senhor vai recorrer ao Supremo em relação à tese do relator Anastasia ou vai aguardar uma decisão?
Já há um processo no Supremo tratando dessa questão. Desde novembro do ano passado está com o ministro Gilmar Mendes, que não deu liminar, mas que também não levou ao plenário. É um mandado de segurança do deputado Wadih Damous.
É um mandado de segurança que não é do governo?
Eu quero dizer que no momento oportuno será comunicado a vocês (imprensa)
Os senhores criticam o presidente da Câmara Eduardo Cunha mas no caso do afastamento hoje se deu pela atuação dele na Lava Jato em relação ao conselho de ética. Não foi em relação ao processo de impeachment. É possível vincular essas duas coisas?
Quero dizer o seguinte: tenho ouvido muito na comissão do impeachment do Senado a expressão ‘conjunto da obra’. Qual é o conjunto da obra do presidente Eduardo Cunha? É o desvio de poder, permanente, incessante e faz parte do conjunto da obra de Eduardo Cunha ameaçar a presidenta da República para que ele tivesse votos no conselho de ética. Como ela não deu esses votos, ele abriu o processo de impeachment. É o conjunto da obra, é o modus operandi do presidente Eduardo Cunha.
A defesa tem rebatido essa abordagem da oposição para o impeachment da presidenta Dilma do conjunto da obra. Não é equivocado isso?
Não. Lá (na comissão do impeachment do Senado) nós temos um marco temporal que é 2015, porque a Constituição Federal assim exige. Não estou dizendo que não pode ser analisado o conjunto da obra em todas as situações. Estou dizendo que no processo de impeachment tem um marco temporal imposto pela Constituição que é 2015. E têm denúncias que eu tenho de me ater a elas. No caso do presidente Eduardo Cunha, estou falando de uma questão, de um conjunto da obra que pode ser analisado porque eu invoquei isso. Num processo de impeachment não existe análise de conjunto da obra. Então, entrem com outro processo de impeachment, não com esse. Nesse caso a defesa, desde o início, arguiu-se desvio de poder e o desvio de poder faz parte do modus operandi de uma pessoa que usava sua competência de maneira degenerada.
Na comissão do impeachment já se sabe que o placar vai ser de 16 a 5. A expectativa do senhor é reverter no plenário?
A expectativa é reverter em todas as instâncias. As nossas razões são muito fortes. O relatório que o senador Anastasia apresentou, ele omite em vários pontos. Mais ainda, quando ele fala da decisão da Corte de Direitos Humanos, que não seria aplicável, mas basta ver a decisão e ver o que a corte fala. Qualquer juízo político não pode ter fechamento de questão, ter orientação de voto, tem que ter imparcialidade. Não é possível que a gente, vendo essa realidade, a debilidade, a gente não respeitar a democracia do País. Eu confio no Senado da República, confio nos senadores, até da oposição; que tenham nesta hora um discernimento democrático, para que nós não possamos, no Brasil, cometer uma violência contra aquilo que obviamente está colocado na Constituição.
Ontem o ex-ministro Gilberto Carvalho disse que está preparado para descer a rampa com a presidenta na semana que vem. O senhor também está preparado?
Estou preparado para ganhar o processo do impeachment.
Assessoria Parlamentar
Foto: Marcos Oliveira