Nem o canto triste entoado pelo músico Caetano Veloso, que foi acompanhado por dezenas de pessoas que lotaram o Salão Negro da Câmara em defesa da Terra, nesta quarta-feira (9), comoveu o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). Contrariando o apelo dos artistas, das entidades da sociedade civil e de parlamentares, e acolhendo a sanha devastadora de Bolsonaro, Lira colocou em votação o pedido de urgência para a tramitação do PL 191/2022, que libera a mineração em terras indígenas. Com o voto contrário do PT, a urgência foi aprovada por 279 votos a 180 e será analisado por grupo de trabalho, antes de ser apreciado pelo plenário.
“O que está por trás disso é um governo que sempre aposta no tensionamento com a sociedade, um governo que, em vez de dialogar, de unir o País, aposta nas relações de conflito com a sociedade brasileira. É o governo que mais briga com os subnacionais”, criticou o líder da Bancada do PT, deputado Reginaldo Lopes (MG).
Ao se pronunciar contrário ao açodamento proposto pelo presidente da Casa, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) lembrou a seus pares que no gramado em frente ao Congresso Nacional artistas, intelectuais, organizações da sociedade civil, movimentos populares se juntaram em um ato público clamando para que o Parlamento pare de votar a destruição da vida, a destruição da natureza.
“Aqui, o presidente e a base do governo insistem em querer votar a autorização para a mineração, para a exploração florestal, para a entrada da monocultura com transgênico, para a construção de hidrelétricas dentro dos territórios indígenas”, denunciou o deputado.
Falácia
Nilto Tatto denunciou também a falácia contida no argumento do governo para querer aprovar a toque de caixa essa proposta nociva para os povos indígenas, para a sociedade brasileira. “Usam como argumento inclusive a comoção da guerra dizendo que vão faltar fertilizantes aqui no Brasil, quando não há fertilizantes, não há minério para fertilizantes dentro das terras indígenas”, alertou.
O líder da Minoria na Câmara, deputado Alencar Santana (PT-SP) classificou de “covardia” a votação da urgência ao PL 191. “É um ato de covardia, uma total covardia e um ataque à sociedade brasileira”, afirmou.
“Não se pode tirar da cartola um projeto que não se submeteu a um debate prévio sobre a situação dos fertilizantes. Estes podem até ser um dos elementos, mas, na verdade, esse é um projeto que permite que a boiada continue passando, com mais velocidade, com mais violência, destruindo o território brasileiro, destruindo o nosso País”, argumentou Alencar Santana.
O deputado desmascarou o argumento sobre a guerra usado por Bolsonaro para acelerar a votação do projeto. “Dizer que é a guerra que justifica a sua urgência é esconder a publicação do presidente Bolsonaro, que fez um Diário Oficial no começo do ano dizendo que este projeto era prioritário, sem sequer ainda haver qualquer guerra estourada. Portanto, isso é só uma falácia”, sustentou.
Santana ainda questionou a pressa em levar à cabo a proposta vinda do Executivo. “Mas por que a urgência hoje — não existe sentido algum —, no dia em que este Congresso recebeu um lindo ato? Nas ruas, neste momento, também acontece ato político, público, das comunidades indígenas, de artistas, lideranças, ambientalistas, que aqui nesta Casa se expressaram, clamaram, cantaram em defesa do meio ambiente, da Amazônia, e também dizendo “não” a este projeto”, enfatizou.
Grupo de Trabalho
Sobre o grupo de trabalho proposto por Arthur Lira para analisar o tema em 30 dias, o deputado Reginaldo Lopes avaliou ser necessário essa construção. “É fundamental para esta Casa que se tenha um grupo de trabalho, como foi anunciado pelo presidente Arthur Lira, e que a base do governo possa então derrotar a urgência nesse PL por uma questão muito simples: nós não conhecemos o PL na sua totalidade. E quem leu sabe que é uma aberração, um absurdo. Até mesmo a base do governo, vários líderes, se manifestaram contrários ao conteúdo”, ponderou.
Reginaldo Lopes disse ainda, que a bancada petista tem acordo com a composição sugerida pelo presidente da Casa. Segundo o deputado, esse colegiado terá a representatividade de 13 deputados da base do Governo e 7 da Oposição.
“Para que votar a urgência hoje? A urgência contamina o grupo de trabalho, a urgência vai tensionar o estudo em relação à proposição legislativa”, questionou o parlamentar mineiro.
Inconstitucionalidade
Na avaliação de Reginaldo Lopes, o PL 191 fere os preceitos constitucionais. “Esse projeto é extremamente inconstitucional”, sentenciou. Para ele, a proposta teria que ser feita por meio de um projeto de lei complementar, não por um projeto de lei simples.
“Esta Casa deve ter responsabilidade. Se é um tema que nós vamos ter que enfrentar, que haja uma comissão de estudo, uma comissão especial que possa envolver, que possa chamar todos os especialistas, todos os envolvidos, para nós produzirmos outra proposição”, defendeu Lopes.
Benildes Rodrigues