Freio de mão da economia, com impacto negativo sobre consumo, produção, comércio e investimento produtivo, o ciclo altista da taxa básica de juros (Selic), mantido pelo Banco Central (BC) desde março de 2021, faz o Brasil bater recordes de gastos com juros da dívida pública. No período de 12 meses até maio, o governo federal já distribuiu R$ 500 bilhões no mercado financeiro. Poupadas da regra do teto de gastos, as despesas devem crescer até atingir o maior patamar da história no fim do ano.
Dados do BC revelam que desde fevereiro de 2016, quando a despesa alcançou R$ 513 bilhões, os gastos com juros da dívida pública não chegavam à casa do meio trilhão. O patamar corresponde a 5,51% do Produto Interno Bruto (PIB) – mais alto percentual desde novembro de 2018 (5,52%), abaixo apenas da marca atingida em janeiro de 2016 (9% do PIB).
Esse valor supera o orçamento federal de 2022 para o Auxílio Brasil (R$ 89,1 bilhões) e os gastos em Saúde (R$ 139,9 bilhões) e em Educação (R$ 62,8 bilhões), somados. A estimativa é de analistas do mercado financeiro ouvidos em reportagem do portal g1.
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Os economistas ressaltam que essa explosão das despesas com juros da dívida pública vincula o governo federal a mais compromissos financeiros e gera dúvidas sobre a sustentabilidade fiscal dessa política. Isso faz os investidores cobrarem taxas mais altas para a aquisição de títulos públicos, gerando uma dinâmica de “bola de neve” sobre o sistema que mantém o país no topo do ranking dos juros mais altos do mundo.
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“Uma parte (da alta da Selic) é inevitável, tem um choque inflacionário global, todos os bancos centrais estão reagindo e o nosso também teve de reagir”, pondera Silvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria. “Mas tem outra parcela disso que decorre de uma piora na percepção (dos investidores) sobre o quadro fiscal, e isso gera pressão nos juros.”
Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro acredita que o BC não precisava ter impulsionado tanto a Selic. “Quando aumenta a taxa de juros, chega a esse valor aí, R$ 500 bilhões”, observa. “Que vão parar no bolso de alguém, de quem tem aplicações em renda fixa, das tesourarias dos bancos, dos investidores com altas aplicações em bancos de investimentos.”
Alta da Selic eleva custo financeiro do Pronampe
A edição desta semana do Relatório Focus do BC mantém as expectativas para a Selic em 13,75% ao ano em dezembro, caindo para 11% no fim de 2023. A taxa básica na casa dos dois dígitos encarece o crédito para os consumidores, pressionados pelo endividamento crescente e pela queda dos rendimentos em um mercado de trabalho depauperado. Entre os empreendedores, destituídos de políticas públicas que compensem as perdas dos últimos anos, cresce a inadimplência.
Mesmo o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), criado após intensa mobilização no Congresso Nacional para socorrer pequenos negócios na pandemia, está se tornando um grande problema. O custo do financiamento disparou com a alta da Selic.
De uma taxa inicial de 2,25% da Selic mais 1,25% ao ano em 2020, o Pronampe passou a cobrar Selic + 6% em 2021, quando se tornou permanente. Em 2022, com a taxa básica de juros em mais de 13%, o custo da linha de empréstimo já chega aos 20% ao ano.
Uma pesquisa feita pelo Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a Fundação Getulio Vargas (FGV) entre novembro e dezembro de 2021 revelou que mais de 60% dos pequenos negócios haviam buscado empréstimos desde o início da pandemia. Quase um terço do total (28%) já estavam inadimplentes, e desde então a economia brasileira piorou bastante.
“O Pronampe foi oferecido no período mais grave da pandemia. A ideia era manter o nível de empregos e evitar a falência das pequenas empresas, muitas delas sem poder funcionar”, lembra no Diário do Comércio o professor de economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Flávio Constantino. “Naquele momento, a inflação não era um grande problema e o BC achava que os preços continuariam estáveis.”
Agora, Constantino teme que boa parte das pequenas empresas poderão descumprir o compromisso de não demitir. “Por um lado, as vendas estão fracas, e o empresário tem pouca receita para honrar o empréstimo; por outro, os encargos estão mais altos e mais difíceis de serem honrados”, analisa. “Se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come.”
Em entrevista ao Jornal PT Brasil na última segunda-feira (1º), Luiz Barretto Filho, ex-diretor presidente do Sebrae, criticou a escalada das tarifas do Pronampe. “Num período de dois anos e meio, multiplicou por quase seis vezes o juro. Isso tornou praticamente impossível o acesso”, constata. “Aqueles que acessaram esse crédito via o Pronampe estão muito endividados, sem condições de pagar.”
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O resultado, diz, foi a morte de milhares de empresas durante a pandemia. “Voltamos aos anos 1980, quando você tinha um amplo Brasil informal convivendo ao lado do Brasil formal”, lamentou Barretto Filho, lembrando ainda que, mesmo antes da pandemia, as empresas de pequeno porte e os microempreendedores individuais (MEIs) já passavam dificuldades devido ao desmonte de políticas implementadas pelo PT.
Segundo ele, num eventual novo governo Lula, o apoio às micro e pequenas empresas e aos MEIs deverá ser prioritário. “Não há desenvolvimento do país, não há crescimento econômico, não há geração de emprego e renda sem que esse segmento esteja na centralidade das políticas públicas”, conclui.
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Proposta de limite a cobrança de juros é transformada em projeto de lei
Um dia após a entrevista de Barreto Filho, a proposta legislativa pela imposição de limite à cobrança de juros no Brasil foi aprovada na Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados. Transformada em projeto de lei, a proposição passará a percorrer as respectivas comissões até chegar ao plenário.
O parecer favorável à proposta de várias entidades, capitaneadas pela Auditoria Cidadã da Dívida, foi apresentado pelo deputado federal Pedro Uczai (PT-SC). O objetivo é limitar o teto da cobrança de juros a duas vezes o valor da taxa Selic, como já ocorre em mais de 70 países. “É de interesse da economia do país que o capital financeiro não possua remuneração exagerada que impeça o desenvolvimento das classes produtoras”, aponta Uczai em seu voto de relator.
Ele também destacou que é preciso solucionar o problema dos mecanismos de remuneração da sobra de caixa dos bancos (atualmente feita por meio das chamadas “operações compromissadas” e dos “depósitos voluntários remunerados”). Nele, o BC acaba remunerando as instituições financeiras com juros altos, fazendo com que não haja esforço algum para a facilitação de empréstimos à população.
Da Redação