A soma do raciocínio meramente financista do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, com o desprezo utilitarista pelos mais pobres do chefe dele, Jair Bolsonaro, resulta em conta de subtração para a parcela mais vulnerável dos trabalhadores: os que recebem salário mínimo. Para os dois, elevar o piso condena as pessoas ao desemprego. Tomados pela convicção, seguem reajustando o valor do mínimo sem o aumento real que, nas gestões do PT, gerou ganhos históricos para os assalariados.
O desgoverno Bolsonaro estimou o salário mínimo de 2021 por meio de projeção do Ministério da Economia para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 2020, de 4,11%. O piso salarial, que hoje é de R$ 1.045, no ano que vem irá aumentar apenas R$ 43, conforme a LDO-2021 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), aprovado ontem (16).
Será o terceiro ano consecutivo em que o valor do piso será reajustado apenas pela inflação. O fim da política de valorização do salário mínimo foi anunciado por Bolsonaro em abril de 2019. No final do ano, sua base de apoio no Congresso confirmou a extinção. Mas em 2018, sob o usurpador Michel Temer, o reajuste já havia ficado abaixo da inflação pela primeira vez desde 2004.
Salário Mínimo calculado pelo Dieese
Cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam que esses R$ R$ 1.088 representam menos de um quarto (24,1%) do valor necessário para garantir o sustento de uma família de quatro pessoas. Em julho, o salário mínimo necessário para cobrir os gastos essenciais de dois adultos e duas crianças deveria ser R$ 4.420,11.
Ainda segundo o Dieese, o salário mínimo serve de referência para 49 milhões de trabalhadores no Brasil, entre assalariados, aposentados e pensionistas, profissionais por conta própria e domésticos. “Desde o fim da valorização do salário mínimo, temos apenas o reajuste da inflação. Isso não coloca o piso como ferramenta de distribuição de renda, uma vez que o salário é importante, seja para aposentados ou trabalhadores da iniciativa privada”, analisa Clemente Ganz, diretor da instituição.
Os parlamentares do PT consideram insuficiente o reajuste proposto pelo governo e defendem a aprovação de alguma das propostas em análise no Congresso para garantir o aumento do poder de compra da população.
“Precisamos retomar a Política de Valorização do salário mínimo. É geração de emprego e renda. Cem milhões dependem dele. O comércio gira, todos ganham: trabalhadores, empregadores, aposentados. Para cada R$ 1 a menos no salário-mínimo, o governo deixa de arrecadar R$ 0,54 em tributos”, argumentou o senador Paulo Paim (PR).
Paim lembrou que essa política, que garantia ao salário mínimo a correção da inflação do período, mais ganho real conforme o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores, gerou um aumento real (acima da inflação) de 74,3% do salário mínimo em 14 anos de governos Lula e Dilma. Se os reajustes tivessem sido concedidos somente com a reposição da inflação, o valor atual do salário mínimo seria de R$ 573.
Salário mínimo forte aquece a economia
Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República em 2003 com o salário mínimo na casa dos R$ 200. Com a implantação da fórmula, encerrou o mandato em 2010 com o piso em R$ 510 – aumento de 155% em relação ao valor do início do mandato, e 53,6% de aumento real, descontando-se a inflação.
Dilma Rousseff manteve os termos da política, instituída em acordo com amplos setores da sociedade, e logo nos dois primeiros anos de mandato o salário mínimo saltou de R$ 510 para R$ 622, ou 22% sobre o valor inicial, mais 8,61% de aumento real. Em 2016, poucos meses antes de ser vítima de um golpe cujas consequências ressoam até hoje, Dilma deixou ao povo brasileiro um piso salarial de R$ 880.
De 2003 a 2010, o poder de compra do salário mínimo passou de 1,38 cesta básica para 2,06 cestas básicas, chegando a 2,21 cestas básicas em 2014 (melhor poder de compra desde 1979). Em 2014, o salário mínimo de R$ 724 injetou R$ 28,4 bilhões na economia do país, beneficiando diretamente 48,1 milhões de brasileiros.
“Os governos Lula e Dilma recompuseram o poder de compra do trabalhador para além da inflação. O salário mínimo, tendo uma política de recomposição e de aumento real, é o mais forte programa para redistribuir renda”, defende o diretor executivo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Aroaldo Oliveira da Silva. “Agora, corremos o risco de voltar ao patamar do que era antes do governo Lula.”
“É um absurdo Bolsonaro tratar com desdém quem recebe salário mínimo num momento em que o Brasil precisa de recuperação econômica, retomada do consumo, quando as pessoas estão mais frágeis, em risco por conta da pandemia. Além disso, quer acabar com o auxílio emergencial. Até quando vamos aguentar?”, prossegue o dirigente.
Leda Paulani, professora de economia da Universidade de São Paulo (USP), reforça que a redução da desigualdade de renda no país foi resultado da política de valorização do salário mínimo. Ela afirma que a medida impactou diretamente 22 milhões de beneficiários da Previdência, incluindo aposentados, rurais e os que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
“Muito mais que o Bolsa Família, o que tirou milhões da miséria e, consequentemente, retirou o Brasil do Mapa da Fome, foi a valorização do salário mínimo”, ensina a professora, para quem a política “teve um impacto brutal, direta e indiretamente, na vida de pelo menos 70 milhões de pessoas, se incluirmos os membros de uma família que têm como seus provedores os aposentados e pensionistas do INSS”.
Impacto no consumo
Segundo a professora, graças ao aumento do consumo dos aposentados e pensionistas, o valor médio dos salários dos trabalhadores da ativa que ganhavam acima do mínimo também cresceu. Desde a implantação da política de valorização, o salário médio teve um ganho real de 17% a 20%, calcula.
Ao comentar a queda brasileira de cinco posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em 2019, divulgado pelas Nações Unidas no mesmo dia em que o desgoverno federal definia o “novo mínimo”, o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, ressaltou que o abandono bolsonarista das políticas de distribuição de renda e valorização do piso nacional perpetuam a desigualdade.
“O Brasil está estacionado no índice, diante da melhora de quase todos os países em 2019. Quando olhamos para o IDH, é importante olharmos para políticas sociais, seja educação ou saúde. Não há menor dúvida que algumas medidas do governo contribuíram para essa queda, como o fim da valorização do mínimo e cortes no Bolsa Família”, afirmou o especialista ao ‘Jornal Brasil Atual’.
Da Agência PT de Notícias