Dados da ONU apontam que já morreram nos ataques israelenses na Palestina mais de 42 mil palestinos.
Representantes de entidades que lutam pela causa palestina afirmaram durante audiência pública na Câmara dos Deputados, nessa quarta-feira (24/4), que a crise humanitária na Faixa de Gaza é parte do plano do governo de Israel para inviabilizar qualquer condição de sobrevivência na região, impedindo uma possível criação do Estado da Palestina. Dados da ONU e de organizações independentes apontam que já morreram nos ataques israelenses mais de 42 mil palestinos, entre essas, 18 mil crianças. Calcula-se que existam ainda cerca de 7 mil desaparecidos e mais de 76 mil pessoas feridas. O encontro realizado na Comissão de Legislação Participativa (CLP) foi uma iniciativa dos deputados petistas Padre João (MG) e João Daniel (SE).
Após a abertura da reunião pelo presidente da CLP, deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), o deputado Padre João assumiu a comando do encontro. Em seu pronunciamento, o petista disse que a audiência pública tem como objetivo ajudar na conscientização da sociedade brasileira sobre a crise humanitária na região.
“A situação humanitária em Gaza já era difícil antes das mais recentes hostilidades praticadas pelo Estado de Israel, agora se agravou exponencialmente conforme relatos do próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres. Diversas nações e entidades internacionais têm denunciado crimes de guerra e o genocídio patrocinado pelas Forças Israelenses na Palestina. Diante dessa tragédia humanitária, é necessário e urgente debater suas implicações. Não apenas com informações verossímeis, mas para conscientizar a sociedade brasileira e o Parlamento brasileiro sobre a defesa dos direitos humanos na região”, explicou.
Em uma rápida participação, por conta de um voo programado para a Turquia onde participará de um encontro internacional em defesa da Palestina – junto com os deputados petistas Nilto Tatto (SP) e Valmir Assunção (BA) – João Daniel também manifestou sua solidariedade aos atingidos pela crise humanitária.
“A gente fica sem palavras para discutir este tema, que nos envergonha, e de vermos todos os dias esse genocídio contra o povo palestino. É muito importante continuarmos cobrando firmeza da diplomacia do nosso governo, a qual eu parabenizo, porque desde o início do conflito o presidente Lula foi firme em condenar esse genocídio financiado pelo imperialismo, pelo fascismo e pela extrema direita do governo assassino de Israel. Todo nosso apoio, solidariedade e compromisso em defesa do povo palestino”, declarou.
Panorama da tragédia
Vários representantes de entidades que defendem a causa palestina apresentaram números que detalham a grandeza da tragédia humanitária na região. O presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal), Ahmed Shehada, lembrou que o próprio Secretário-Geral da ONU, António Guterres, disse recentemente que a Faixa de Gaza tem se tornado um “cemitério de crianças”.
Já o presidente da Federação Palestina no Brasil (Fepal), Ualid Rabah, destacou que, apesar de existirem ainda pessoas que tentam minimizar o número de mortes na Faixa de Gaza, uma simples comparação com outras guerras aponta para um verdadeiro genocídio em curso. Segundo ele, em 201 dias de conflito já perderam a vida 1,9% do total da população palestina de Gaza.
“Se aplicarmos (esse percentual) à mesma demografia existente na Europa, teríamos 14 milhões de pessoas mortas. Comparado à população brasileira seriam cerca de 4 milhões de mortos em um conflito. Seria como se morressem, por dia no Brasil, cerca de 20 mil pessoas em um conflito ou 75 mil na Europa. Porém, o que mais assombra é o número de crianças mortas. Foram 18 mil assassinadas ou 44% do total de mortos. É a maior matança de crianças da história humana em uma guerra conhecida”, lamentou.
Testemunho
Além dos números, durante a reunião foi narrado um trágico drama familiar vivido pelo decano da Faculdade de Odontologia da Universidade da Palestina, Jamal Naim, que atualmente está no Brasil. Após parabenizar o presidente Lula pelo esforço diplomático por um cessar-fogo de Israel na região, Naim destacou que veio de Gaza para falar na Comissão sobre “um novo holocausto que ocorre nos tempos atuais”.
“Logo após o início da guerra, cerca de 85 pessoas se abrigaram na minha casa, que estava em um local considerado seguro. Havia racionamento de água e só podíamos beber dois copos por dia. A água era contaminada e causava diarreia em quem a bebia. Tomávamos banho de 15 em 15 dias. As mulheres sofriam ainda mais, porque não haviam absorventes e tinham que usar tecidos. Ainda assim aquilo era considerado o ‘paraíso’, perto do que o restante da população estava passando”, relatou.
No entanto, Jamal Naim ressaltou que o pior ainda estava por acontecer. No 80º dia do conflito, os ataques foram intensificados em sua região. Nesse momento ele decidiu mudar de casa e ir para um local mais seguro com sua mãe, três filhas e cinco netos.
“Na nossa última noite todos juntos, comemos batatas com limão no jantar. Planejávamos o que faríamos após o fim da guerra e eu brincava com minhas filhas que não trabalharia mais. Na noite do dia 6 de janeiro fui para o quarto dormir por volta das 22h30, após os noticiários. Minha esposa estava em um ritual na Arábia Saudita e implorava para que deixássemos Gaza. Eu a tranquilizava dizendo que tudo iria acabar logo. Fechei os olhos e quando acordei a casa estava desabando sobre nossas cabeças”, detalhou.
O decano da Faculdade de Odontologia da Universidade da Palestina narrou que tentou ficar em pé, mas percebeu que seu ombro estava quebrado e a cabeça sangrando. “Ouvi então minha neta gritando sob os escombros e nem sei como consegui tirar ela de lá”, disse. “Depois percebi que minha mãe havia sido arremessada no jardim da casa vizinha, duas filhas estavam muito machucadas e outra neta estava com o crânio quebrado”, continuou.
Após ser socorrido, Jamal Naim perguntou no hospital onde estavam os membros de sua família. Nesse momento, um funcionário da defesa civil o levou até o necrotério do local. “Vi então na geladeira os corpos de duas filhas e duas netas. Outra filha e um neto continuavam desaparecidos. No dia seguinte, um dos voluntários da defesa civil me entregou a metade debaixo do corpo de uma criança tirada dos escombros. Reconheci pela roupa que era meu neto. A mãe dele continua debaixo dos escombros porque as forças de ocupação não permitem a entrada de máquinas para escavar”, disse chorando.
Fome
Além das mortes, relatos ouvidos na audiência pública apontam para uma grande escassez de alimentos na região. O chefe do Programa Mundial de Alimentos da WFP Brasil, Vinícius Limongi, alertou que a dificuldade de acesso à Faixa de Gaza pode desencadear uma das piores catástrofes alimentares na história recente.
“Hoje, a área mais difícil de acesso é o Norte da Faixa de Gaza. É difícil ter acesso com os comboios de ajuda humanitária, com alimentos que são doados. Estamos trabalhando com os governos para criar um corredor marítimo, garantindo a segurança dos trabalhadores humanitários e beneficiários das doações. Hoje, mais de 1 milhão de pessoas em Gaza estão na faixa 5 de insegurança alimentar, a mais alta. Até junho, acreditamos que 70% da população esteja nessa situação. É o que chamamos de catástrofe alimentar”, apontou.
Governo Lula
O representante do ministério das Relações Exteriores, diplomata Antônio Carlos Antunes Santos, e do ministério dos Direitos Humanos, o Ouvidor Nacional da pasta Vinícius de Lara Ribas, explicaram as ações do Brasil para obtenção de um cessar-fogo na região e de auxílio a imigrantes palestinos que procuram o País.
No campo diplomático, Antunes Santos lembrou que o Brasil sempre defendeu como solução para os conflitos na região a criação do Estado Palestino. “Sendo um Estado Palestino soberano e viável, convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro das fronteiras acordadas mutuamente e reconhecidas internacionalmente, incluindo a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e tendo Jerusalém Oriental como capital do Estado Palestino”, explicou.
O diplomata também esclareceu que, desde o primeiro momento, o governo brasileiro condenou o ataque do Hamas contra Israel. No entanto, reconheceu que esse ataque ocorreu dentro de um contexto de provocações.
“Desde 2023 já vínhamos de um ano tenso, com ampliação de assentamentos israelenses em territórios palestinos e com incremento de violência de colonos contra povoados palestinos, principalmente na Cisjordânia, além de provocações e violações a sítios sagrados muçulmanos em Jerusalém”, contextualizou.
No entanto, Antunes Santos lembrou que o Brasil tentou um cessar-fogo desde o início do conflito – quando presidia o Conselho de Segurança da ONU – inclusive com apelos públicos e interlocução do presidente Lula e do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, com outros países.
“Desde o início o Brasil condenou a reação militar desproporcional de Israel e as ações contra alvos civis, além da destruição da infraestrutura na Faixa de Gaza, sobretudo da saúde. O governo brasileiro continua trabalhando por um cessar-fogo com a liberação de reféns, e para evitar o alastramento do conflito”, destacou.
Já o Ouvidor Nacional dos Direitos Humanos ressaltou que o governo brasileiro, com a “Operação Voltando em Paz”, procurou tratar com dignidade os refugiados do conflito que procuraram abrigo no Brasil.
“Já foram 4 voos de famílias e familiares vindos de Gaza para o Brasil. Todos sabem a dificuldade de garantir os direitos humanos nessa situação. Porém, desde que chegaram procuramos saber as necessidades de todos. Criamos até um aplicativo, que vai servir também para todos os imigrantes, onde eles terão 130 tópicos com informações, desde a regularização de documentos, até para acesso ao sistema do SUS, de assistência social pelo SUAS, de educação, além de orientação sobre trabalho e geração de renda”, detalhou.
Agradecimentos
O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Mohamed Khalil Alzeben, ressaltou que os crimes cometidos por Israel contra o povo palestino já duram sete décadas. Segundo ele, os atuais ataques – inclusive contra campo de refugiados -, demonstram que Israel não quer apenas destruir o Hamas. “A guerra em curso é contra a Palestina e não conta a existência de uma facção. É guerra de extermínio”, frisou.
Diante desse contexto, o embaixador agradeceu o esforço do governo brasileiro pela paz na região. “Agradeço o apoio do Brasil, especialmente do presidente Lula e de seu governo, que manifestam solidariedade à Palestina”, disse.
Também discursaram durante a audiência pública o Chefe da Missão da Liga dos Estados Árabes, Qais Marouf Shgair; o jornalista e fundador do site Opera Mundi, Breno Altman; a representante da Federação Palestina no Brasil Carima Atiyel; e a professora da Universidade de Brasília (UnB) Berenice Bento.
Héber Carvalho