Assédio judicial: a criminalização dos movimentos indígenas

A Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados (CLP) realizou audiência pública nesta segunda (31) para avaliar denúncias de criminalização do movimento indígena. Em alguns casos, o uso da lei penal para deslegitimar, perseguir e inviabilizar militantes, organizações e formas de ação política do movimento indígena. Dessa forma, os povos indígenas teriam mais dificuldades para representação e manifestação diante do Estado e processos institucionais. O encontro foi solicitado pelas deputadas Talíria Petrone (PSOL-RJ) e Luiza Erundina (PSOL-SP).

“A criminalização é um processo que envolve um grande grupo de atores e instituições, e ao longo do qual o crime é sociologicamente constituído, juntamente com o criminoso. Cabe a nós, analisar como a criminalização tem afetado a capacidade e a legitimidade de organizações e instituições que formam o campo de mobilização indígena e indigenista”, explicou o deputado Waldenor Pereira (PT-BA), presidente da comissão.

Deputado Waldenor Pereira. Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

“A situação nunca foi fácil para nós, não importa quem estava no poder. Precisamos de um enfrentamento mais sério, o próprio governo não cumpre a lei, incentiva o garimpo e a invasão de terras. Se existe um governo e que estaria amparado por uma Constituição, tem que cumprir o que está ali. Proteção e saúde para os indígenas”, pediu Cacique Babau, liderança Tupinambá. Ele enfatizou que a Funai foi criada para fazer estudos e demarcação de terras, assim como a Advocacia-Geral da União, que também deveria proteger os povos tradicionais. “E ninguém faz nada. O Congresso, o Supremo, então quer dizer que as leis não valem nada? E qualquer denúncia que a gente fizer, viramos o criminoso e não a vítima. Sem falar nos tratados internacionais que já foram todos violados”, denunciou o Cacique Babau.

Luiz Eloy Terena, advogado e pesquisador indígena lembra que Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) já foram utilizadas pela bancada ruralista para criminalizar indígenas. “Isso mostra que a criminalização acontece em vários níveis, tanto na representação política regional, nas aldeias onde vivem professores, pesquisadores e lideranças. Um dos últimos exemplos, foi um inquérito aberto pela Polícia Federal contra a Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib). A petição é inepta, cheia de erros. Já a Funai foi militarizada nos principais postos, que foram preenchidos por pessoas contrárias aos interesses dos indígenas”, ressaltou.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de 2017, aprovou o texto-base. O documento previa o indiciamento de 67 pessoas, entre lideranças comunitárias, antropólogos e servidores.

“A CLP tem sido um espaço muito importante para acolher luta, resistências e dores que ficam cada vez maiores. Como o Congresso pode enfrentar isso, nas populações indígenas o impacto é muito grave. Mais de mil indígenas já morreram por Covid-19, 50 mil foram infectados e 53 povos atingidos. Tudo junto com a ampliação da violência, com garimpeiros atacando povos tradicionais”, desabafou a deputada Talíria Petrone.

Assédio judicial

Para Ana Carolina Vieira, pesquisadora, “a criminalização de lideranças é forma de ataque aos corpos e organizações indígenas. Cada vez mais o Estado se estrutura para tratar os indígenas nessa linguagem. No Mato Grosso do Sul, onde pesquisamos para a Apib, a criminalização atinge 24 pessoas, todas ligadas à luta pela terra. Essa é a resposta que o Estado dá à luta pelos direitos indígenas. E tudo faz parte de um repertório mais amplo de repressão, com ameaças e assassinatos, implementados de forma mais conjunta. Quando as milícias particulares não conseguem, entra o Estado com a sua arma, a criminalização”.

A pesquisadora Carolina Santana explicou que a criminalização primária estaria nas leis e a secundária como elas são executadas. “Quando lideranças e movimentos sociais tensionam na luta por direitos, o Estado responde com ações punitivas, penais. Também são mobilizadas as lideranças políticas e econômicas locais, além da mídia tradicional. O alto número de indígenas processados mostra o que chamamos de assédio judicial”, afirmou.

Boiada

“Estou sendo perseguida pela própria Funai, que não cumpre mais a sua missão institucional de promover os direitos dos povos indígenas e hoje está à serviço do governo”, denunciou a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara. Na sua avaliação, é um absurdo a Funai perseguir organizações indígenas e aliados, além das lideranças. “Parece um cenário de guerra. E como disse o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), a boiada passou. A boiada para aprovar a mineração em terras indígenas, flexibilizar a legislação ambiental e premiar grileiros. Somos perseguidos e até mortos nos conflitos que se intensificam cada vez mais”, lamentou.

Sônia Guajajara lembrou que ainda deputado, Jair Bolsonaro já atacava os indígenas. “Uma vez, parabenizou os Estados Unidos por acabarem com os indígenas. E hoje é presidente e os ataques viraram políticas públicas”, protestou.

Relatório sobre criminalização

O relatório produzido pela Articulação dos Povos Indígenas no Brasil, em parceria com a organização Indigenous Peoples Rights International (IPRI), sobre a criminalização e o assédio de lideranças indígenas no Brasil, foi lançado em abril. O documento seria uma forma de “apoio a uma iniciativa global para abordar e prevenir a criminalização e a impunidade contra os povos indígenas”.

VEJA O RELATÓRIO

A íntegra da audiência pública está disponível na página da CLP no site da Câmara dos Deputados.

Assessoria da CLP

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