*Benedita da Silva
No programa Roda Viva, Jair Bolsonaro quis botar a culpa da escravidão dos negros nos próprios negros, quando disse que havia o comércio de escravos da África. Mas esse comércio só existiu por causa do uso do trabalho escravo em larga escala nas minas de ouro e prata e nos latifúndios de cana e algodão e, mais tarde, no café das elites coloniais do continente americano e de seus patrocinadores do sistema mercantil europeu.
Insistindo em negar a responsabilidade das elites coloniais pela escravidão, e demonstrando a sua reconhecida ignorância sobre história, ele disse que os “portugueses nunca puseram os pés na África”. Portugal não apenas colonizou Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde, que falam português, como as elites mais ricas e poderosas do Brasil colônia e império foram justamente a dos traficantes de escravos.
Fingindo-se de bobo, ele nega a dívida histórica da escravidão dizendo que nunca “escravizou ninguém”. Ele não tem escravo, mas a elite branca que detém o poder econômico no Brasil só conseguiu acumular riqueza e manter essa posição privilegiada porque explorou no passado o trabalho escravo e continua no presente explorando o negro e a negra com os menores salários do mercado.
A mesma elite branca que no passado comprava escravos na África e os explorava em seus latifúndios, hoje continua adotando o trabalho em condições similares à da escravidão. Muitos desses empresários escravistas foram punidos durante os governos de Lula e Dilma, mas a vitória do golpe do impeachment liberou o trabalho escravo no país. Esses setores constituem parte de apoio econômico e político de Bolsonaro.
Na realidade, o racismo estrutural do Brasil sempre foi oficialmente encoberto com o pano surrado da “democracia racial”. O candidato do fascismo pretende agora inaugurar uma nova fase, a do racismo oficialmente assumido, o racismo de Estado. O que sempre se fazia no âmbito das relações privadas ou nas ações policiais costumeiras, mas se negava oficialmente, se pretende que seja assumida publicamente; o racismo sem medo do voto em Bolsonaro. Ele não é candidato para presidente de todos os brasileiros, mas para agir como o “capitão do mato” do povo negro e pobre.
A política de cota foi atacada duramente por ele, que tenta se mostrar “indignado” com a suposta “injustiça de beneficiar o estudante pobre negro em detrimento do estudante pobre branco”. Ele finge não saber que a presidenta Dilma aprovou também a cota para escolas públicas, que beneficia tanto o aluno negro e branco de família de baixa renda. O que Bolsonaro defende mesmo é a expulsão das populações negras e indígenas da universidade e o seu confinamento nas favelas e periferias como alvo das ações de extermínio. Usa o argumento esfarrapado da meritocracia, como se pudesse haver igualdade de oportunidades entre um menino pobre da favela e um menino rico da zona sul.
Individualmente, Bolsonaro não passaria de mais um boçal racista e misógino se não tivesse sido transformado em porta-voz de uma parte da população brasileira que sempre foi racista, misógina e profundamente reacionária. Ele não é nenhum líder nem muito menos um “mito”, mas apenas um instrumento de setores poderosos em cassar Lula, esmagar a democracia e as esquerdas e extinguir qualquer política de igualdade social. É um fascista disposto a transformar o Brasil em neocolônia americana e numa presa indefesa do capitalismo mais selvagem e predador.
Benedita da Silva é deputada federal pelo PT-RJ