O jornalista Leandro Fortes, em texto publicado em sua página no Facebook, denunciou uma censura política cometida pela Agência Câmara em reportagem publicada em 2014, logo após as eleições que definiram a composição do Congresso Nacional. A matéria foi editada após ter sido muito disseminada pelas redes sociais, depois da votação do golpe de Cunha e Michel Temer na Câmara, no último domingo (17).
O diretor da Secretaria de Comunicação da Câmara, Claudio Lessa, nomeado pelo presidente-réu Eduardo Cunha, é um notório reacionário em cujo site já fez enquete com a sugestão de que a presidenta Dilma Rousseff se mate, além de publicar recorrentemente ofensas e agressões ao PT e aos militantes petistas. Lessa também desdenhou da jornalista Maju Coutinho, da Rede Globo, que protestou contra ataques racistas que sofreu nas redes sociais. “Ah!, a tal de ‘Maju’ já terminou de falar? Então eu tiro a tevê do ‘mute’.”, publicou Lessa no Facebook, à época do episódio envolvendo a jornalista.
Confira o texto de Leandro Fortes e entenda o caso.
NEOSTALINISMO NA AGÊNCIA CÂMARA
No dia seguinte à pantagruélica votação da admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados, uma reportagem feita pela Agência Câmara, em 7 de outubro de 2014, começou a circular freneticamente pelas redes sociais.
Assinada pela repórter Lara Hage, a matéria tinha o seguinte título:
“Apenas 36 deputados se elegeram com seus próprios votos”.
Era, portanto, o argumento lógico e matemático a explicar o circo de horrores onde se revezaram aquelas caricaturas políticas que, entre surtos de fanatismo religioso e espasmos de cretinice, fizeram do Brasil uma triste piada internacional.
A abertura da matéria, disseminada por milhares de perfis, sites e blogs internet afora, era assim:
“Apenas 36 dos 513 deputados federais que vão compor a Câmara na próxima legislatura (2015-2018) alcançaram o quociente eleitoral com seus próprios votos. Desses, 11 são parentes de políticos tradicionais em seus estados. Os outros 477 eleitos foram “puxados” por votos dados à legenda ou a outros candidatos de seu partido ou coligação. O número é o mesmo de 2010, quando também houve apenas 36 deputados eleitos com votação própria”.
Não demorou muito para a turma do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), perceber o estrago extra provocado pela matéria na já combalida imagem da votação do impeachment – rapidamente traduzida como “golpe” pela imprensa estrangeira.
Na terça-feira, 19 de abril, portanto, dois dias depois da votação, a direção da Agência Câmara aventurou-se no inimaginável: adulterou o título e o texto da matéria para tentar estancar a disseminação da informação original nas redes sociais.
Como na fase mais aguda do regime de Josef Stálin, a Agência Câmara decidiu dar sumiço em uma informação depois de ela ter se tornado inconveniente, da mesma maneira que o antigo líder soviético fazia com dissidentes em fotos oficiais.
O nome da autora da matéria, aliás, também foi apagado do texto.
Assim, o título “Apenas 36 deputados se elegeram com seus próprios votos” transformou-se na seguinte pérola:
“Eleição para a Câmara dos Deputados segue o modelo proporcional previsto na Constituição”.
Mas o ridículo não para por aí.
A informação sobre os 36 deputados eleitos desapareceu completamente do texto que, para a incredulidade geral, foi editado como se o responsável pelo arranjo ainda estivesse em 2014!
A abertura da matéria, depois de editada, virou essa maravilha da subliteratura parlamentar:
“Os deputados federais que vão compor a Câmara na legislatura de 2015 a 2019 foram eleitos pelo sistema proporcional previsto na Constituição brasileira. Nas eleições proporcionais, primeiramente verifica-se quais foram as coligações partidárias que receberam mais votos: o total de cadeiras na Câmara – 513 – é, então, dividido proporcionalmente entre essas coligações. As vagas de cada coligação são distribuídas para os candidatos mais bem votados dentro de cada uma delas. E todos os 513 deputados eleitos têm a mesma legitimidade em seus mandatos”.
Um primor de texto. Jornalismo em estado puro!
Incrivelmente, foi mantida a data da matéria – 7 de outubro de 2014 – para que o texto original jamais pudesse ser acessado outra vez pelos arquivos da Agência Câmara. Esse tipo de artimanha na internet, no entanto, exige um nível de profissionalismo que, certamente, o adulterador sob o comando de Cunha não tem.
Isso porque o texto foi alterado, mas a URL (no caso, o endereço de hospedagem na internet) não tem como ser mexido. Assim, adivinhem onde aparece o título que os sábios da Agência Câmara tentaram esconder?
Mas, calma, não acabou ainda.
Além de adulterar o texto da matéria, a turma de Cunha também suprimiu da publicação original um quadro pelo qual era possível ao leitor localizar os nomes dos 36 deputados eleitos.
O link, no entanto, pode ser recuperado aqui:
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/imagens/imgNoticiaUpload1412701605642.jpg
Segundo o desconhecido editor da obra-prima, a matéria foi atualizada “para garantir uma explicação correta do funcionamento do sistema de eleição proporcional no Brasil”.
Isso porque “ao contrário do que dizia o texto anterior, não foi apenas um determinado número de deputados que se elegeu com os seus próprios votos. Todos os deputados são eleitos com os seus próprios votos dentro das regras do sistema proporcional. Portanto, todos os deputados têm a mesma legitimidade nos seus mandatos”.
Esqueçam o cinismo.
Concentrem-se na curiosidade de a direção da Agência Câmara só ter se dado conta da sagrada legitimidade de todos os deputados com 18 meses de atraso – e justamente depois daquela tertúlia verde e amarela que pode, vejam vocês, resultar na anistia de Eduardo Cunha, esse probo parlamentar acusado de manter contas na Suíça para receber propinas parceladas.
A propósito, o editor-chefe da Agência Câmara, acreditem, é um jornalista e se chama João Pitella Junior.