Esta pergunta cala no fundo da alma de cada brasileiro. Sessenta e cinco por cento da população, segundo pesquisas divulgadas no final do ano passado, manifestaram que esperam um futuro melhor. Esse sentimento é acompanhado pelo “ânimo” do “deus mercado” ou é ditado por ele? As privatizações anunciadas de campos do pré-sal, da Eletrobras, Correios, Sabesp e outras empresas públicas, são vantajosas ao setor privado. E há uma indução de alegria na mídia, que já esqueceu onde está Queiroz.
O que poderia sinalizar nossa esperança?
Em menos de 24 horas depois de assumir o comando do País, Jair Bolsonaro decretou ao menos 17 medidas que irão agravar ainda mais a crise iniciada após o golpe de 2016 e aumentar a perda dos direitos dos mais pobres “com excesso de proteção”, a começar pelo salário mínimo, o reajuste mais baixo dos últimos 24 anos, que afeta diretamente 64 milhões de brasileiros e brasileiras.
Uma das medidas chamou a atenção: extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que orienta o combate à fome, o Bolsa Família e a defesa da alimentação saudável.
Esse ato de extinção foi simbólico.
Lembrei de padre Thomas que, no final da década de 1980, trouxe um grupo de jovens da Alemanha para conhecer os acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Na ocasião, ao visitarmos uma cooperativa de assentados rurais, conversávamos sobre a importância da agricultura familiar que foca na produção de alimentos.
Dada a sua experiência pastoral em Recife em anos anteriores, padre Thomas conhecia um pouco do Brasil e assinalou, para o nosso entendimento, que na Alemanha a produção de alimentos era uma “questão de segurança nacional”.
O país, que havia passado severa fome na Segunda Guerra Mundial, valorizava a produção de alimentos e o direito de todos se alimentarem adequadamente. Na década de 1990, o termo “segurança alimentar” viria fazer parte dos debates nos movimentos sociais e nos partidos de esquerda.
Em 2003, no discurso de posse, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou do direito das pessoas se alimentarem três vezes por dia porque a fome era uma vergonha nacional e, como tal, seria combatida. Isto ficou gravado nas mentes e corações dos brasileiros.
Em seu discurso de posse, Bolsonaro não falou da desigualdade social, dos milhões de brasileiros que foram destinados à pobreza e à miséria após o golpe, não falou no país da ministra Damares, onde uma princesa “fraquejada” é morta a cada duas horas por um príncipe “armado”; não propôs diálogo e, sim, estimulou a divisão do país, condenando quem pensa diferente de sua ideia de violência e preconceito. No entanto, enfatizou que é “duro ser patrão no Brasil”.
Bolsonaro ainda decretou a morte do socialismo vigente no Brasil, a primeira grande “fake news” investida pela faixa presidencial. Enquanto isso, os apoiadores na Esplanada dos Ministérios, querendo agredir repórteres, gritavam em uníssono: “Facebook, WhatsApp…”. No entanto, as duas palavras mais utilizadas no discurso foram “deus” (dele) e “ideologia” (dos outros).
O “deus” proclamado “acima de todos” escolheu o lado de Bolsonaro, determinou sua vitória para limpar e resgatar o Brasil do mal e para estabelecer a coesão nacional excludente. Excluídos serão os outros, todos aqueles que não pensam igual ou não cultuam o mesmo “deus”. Regredimos ao dualismo religioso, do maniqueísmo, do século 4 do Império Romano.
Ainda cumpre lembrar que a história da humanidade registra que, quando houve o entrelaçamento entre o fundamentalismo religioso e o autoritarismo político, os resultados foram desastrosos. Os pobres sofreram mais, os que pensam diferente foram perseguidos (ou aniquilados).
Decorre das primeiras manifestações do atual governo que é acentuando esse clima de tensão, de conflito ideológico e de distorção da comunicação que Bolsonaro espera governar, pois foi eleito a partir desse mesmo ambiente de guerra declarada. A mediação será virtual, incrementada pelo desprezo ao conhecimento humano e pelo obscurantismo.
No entanto, contra o medo e a desesperança que conduz à imobilidade, há a esperança. Esperança é o ser humano nômade que se reinventa e cria caminhos. Na dura escuridão da noite, ela se acende e aponta novos caminhos. Se dão armas para matar, construiremos pontes para amar.
Carlos Drummond de Andrade dizia que “amar… é um verbo intransitivo”. Intransitivo porque precisa de complemento para completar o seu sentido. Neste ano, precisaremos de unidade e alegria para proporcionar sentido às lutas por justiça e direitos que virão.
Ana Perugini é deputada federal pelo PT-SP e presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados