O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim classificou de “gravíssima” a crise política da Venezuela, agravada pela postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que defendeu intervenção militar como meio para resolver o problema do país vizinho. Para o ex-chanceler do governo do presidente Lula, essa proposta de intervenção deve ser o definidor da posição brasileira. “Não me recordo de nenhum caso na América do Sul em que um presidente norte-americano tenha ameaçado um país sul-americano com uso de força”, criticou o ex-chanceler.
“Isso é gravíssimo, porque não só traz de volta a doutrina Monroe (A América para os americanos), o que já é extremamente grave, mas viola a Carta da Nações Unidas em seu artigo 2º, parágrafo 4, que veda o uso da força e a ameaça do uso da força”, observou Celso Amorim, durante audiência pública realizada pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (Credn), que pautou o debate por sugestão do deputado Nelson Pelegrino (PT-BA).
Para o ex-ministro, não serve a justificativa de que nem tudo que Trump diz deve ser levado a sério. “Muitos podem dizer que Trump fala muito, mas é o presidente dos EUA”, ponderou Amorim, que voltou a repetir que o episódio é fato grave que, por si só, já justificaria uma reunião extraordinária tanto do Mercosul (Mercado Comum do Sul) quanto da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), mecanismos regionais dos quais os EUA não participam. “Esse fato é grave e a ele não se está dando a suficiente atenção”, observou.
Ainda, segundo o ex-ministro, a situação requer diálogo e é dessa forma, historicamente, que o Brasil tem atuado na resolução dos conflitos que envolvem os países vizinhos e parceiros. “Podemos ajudar a encaminhar um diálogo a permitir que a Venezuela vá encontrando soluções. Não podemos e devemos impedir que haja intervenção ou ameaças externas que apenas acirram os ânimos”, recomendou.
Na visão de Amorim, o comportamento do presidente norte-americano “não serve para nada”, a não ser para privilegiar setores da sociedade, da classe dominante, contrários ao governo venezuelano. “Essa atitude não serve para estabelecer a paz na Venezuela que é o nosso objetivo.
Ao intervir no debate, o deputado Nelson Pelegrino avocou os elementos norteadores da política externa brasileira. Segundo ele, estes estão pautados – constitucionalmente – em encontrar soluções pacíficas para os conflitos e a não intervenção externa como meios de resoluções de problemas, sejam eles quais forem.
“Preocupa-nos que o governo atual não faz uma política externa com base nesses princípios”, acusou Pelegrino, preocupado com o alinhamento do governo brasileiro à prática de isolamento que o governo americano quer impor ao governo venezuelano de Nicolás Maduro.
“Não podemos acelerar o processo de divisão em curso naquele país. O Brasil precisa adotar uma posição de equilíbrio e amenizar a crise. Se não houver uma postura serena por parte dos parceiros, no meu entendimento, esse problema vai levar a Venezuela a uma guerra civil com trágicas consequências”, ponderou Pelegrino.
Petróleo – Sobre o papel do petróleo como um dos vetores da crise, Celso Amorim disse a queda dos preços da commoditie afeta ainda mais a crise econômica venezuelana. “Com um conflito entre Rússia e Ucrânia, um conflito entre o Irã e Arábia Saudita e a situação da Venezuela, é muita coincidência que os preços do petróleo tenham baixado tanto”, ironizou.
Amazônia – Ao se pronunciar sobre os rumores de manobras de tropas militares dos Estados Unidos na região Amazônica, Celso Amorim estranhou o fato de o governo, por meio dos Ministérios de Relações Exteriores ou da Defesa, não ter feito um desmentido oficial. “É grave. Saem muitas notícias e não sai uma nota oficial desmentindo? ”, criticou.
O ex-chanceler acredita que essas manobras já estão ocorrendo e que elas são justificadas como operações de caráter humanitárias. “Todo mundo sabe que a fronteira entre ação humanitária e a operação militar é difícil de definir, e os instrumentos frequentes são os mesmos”, alertou.
Para ele, nesse caso, “mesmo que não haja fogo atrás da fumaça, é algo que incita uma preocupação e cria dificuldade no nosso relacionamento”. “Na melhor das hipóteses isso gera um complicador diplomático. A pior das hipóteses eu não sei precisar o que seria”, afirmou Celso Morim, se mostrando preocupado.
Benildes Rodrigues