O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um grande marco na educação superior no Brasil. Foi o primeiro instrumento de avaliação que democratizou as oportunidades de acesso e a concorrência de vagas para as universidades federais e estaduais e também para os institutos federais de educação.
Quando se fala sobre o Enem, fala-se sobre sonhos. O sonho de ingressar em uma universidade, de formar profissionais, de mudar a realidade de toda uma comunidade. O sonho da universidade era distante até o ano de 2005. Até aquela data, a maioria das universidades públicas e privadas eram constituídas, em sua maioria, por alunos brancos, de classe média alta. O Enem mudou essa realidade, democratizando esse espaço.
Desempenho – No início, as provas do Enem eram totalmente diferentes das atuais. Tínhamos um exame simples, que media o desempenho dos estudantes do Ensino Médio, e as notas não eram utilizadas para ingresso em um curso superior. A mudança começou a partir de 2005, quando o governo de Luíz Inácio Lula da Silva criou o Programa Universidade para Todos, o ProUni, concedendo bolsas de estudo parciais e integrais. Com isso, o número de inscritos saltou de pouco mais de 115 mil para 3,7 milhões em 2006.
O Congresso Nacional e a grande maioria dos parlamentares que nele atuam estão lutando para criar ações que minimizem os efeitos da pandemia de coronavírus. Aplicar o exame neste momento, como queria impor o Ministério da Educação, seria chancelar algo que lutamos há anos para combater: as desigualdades educacionais que ainda assombram o nosso Brasil. Seria injusto com milhares de estudantes que não possuem condições mínimas de estudo sem o ensino presencial, devido ao isolamento social que interrompeu o ano letivo de 2020.
Ensino público – Os alunos mais pobres, das escolas públicas do campo e da cidade, seriam os mais prejudicados com a aplicação da prova neste momento, piorando uma situação de desigualdade que já é bastante absurda. Vivemos uma realidade muito distante de países desenvolvidos da América do Norte ou da Europa. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2019, cerca de 13,5 milhões de pessoas ingressaram na extrema pobreza, sendo o maior nível dos últimos sete anos.
As dificuldades não estão só na qualidade do ensino público oferecido nas escolas, mas nas condições que a maioria dos estudantes do País encontram dentro de casa. Cerca de 48,8% desses alunos vivem em casas não adequadas. Metade dos domicílios brasileiros não tem abastecimento de água, esgoto ou coleta seletiva de lixo. Sem falar em um espaço específico e adequado para o estudo. Transformar a sala de casa em sala de aula torna o abismo entre ricos e pobres ainda maior, já que em milhares de residências a sala é também quarto, cozinha, área de lazer, tudo junto.
Internet lenta – Quando falamos sobre os dados relativos ao acesso à internet e ensino a distância, a discrepância entre as realidades brasileiras fica ainda mais acentuada. Um terço da população brasileira não tem acesso à internet, sendo que mais da metade dos alunos mais pobres não tem rede Wi-fi, sem falar que a rede de dados móveis é extremamente lenta, cara e dura pouco para um aluno que precisa estudar diariamente. Faltam internet e também equipamentos. Cerca de 70% dos alunos brasileiros não possuem acesso a computadores pessoais.
Portanto, a decisão mais acertada nesse momento é sim o adiamento do Enem 2020, conforme decisão do Senado que agora será avaliada pela Câmara. O descaso elitista de Bolsonaro e sua trupe com as camadas desfavorecidas da sociedade já ficou evidente desde o ano passado; agora, em meio à crise do coronavírus está ainda mais nítido que o governo não dá a mínima importância para aqueles que estão à margem da sociedade.
Todos nós estamos na mesma tempestade, mas de formas diferentes. Enquanto poucos estão em suas boas casas, com condições e estrutura, milhares de outros brasileiros dependem do Estado, enfrentando a Covid-19 com coragem e sonhando por um futuro melhor.
O adiamento do Enem é uma vitória para aqueles que lutam pelos direitos de todas e todos à Educação.
Zeca Dirceu é deputado federal (PT-PR) e membro da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados