Urge evitar que órgãos do Estado sejam utilizados
As denúncias reveladas pela Polícia Federal de uso político da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), inclusive com a utilização ilegal do software FirstMile, demonstram a importância de reformular a atuação e ampliar a fiscalização do serviço de inteligência.
Muitos questionam a existência da atividade desconhecendo que no mundo atual, cada vez mais, o domínio de informações sensíveis é fundamental para melhorar a tomada de decisão do governo federal em temas importantes como a defesa nacional. Mas poucos se preocupam com o número de agências de outros países que atuam em nosso território. Houve espionagem da Petrobras e até da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) por uma agência norte-americana.
Um serviço de informações que se preza tem o dever de também procurar evitar que sejamos espionados e vasculhados por interesses de outras nações. Um país soberano não pode renunciar a ter um órgão que forneça informações sobre temas sensíveis como a proteção das fronteiras nacionais, contraespionagem, terrorismo e segurança nacional.
Isso não significa que deva atuar como um serviço particular de arapongagem ao estilo criminoso do Serviço Nacional de Informações (SNI), que atuou na época da ditadura militar. As suspeitas levantadas pela Polícia Federal de que o governo Jair Bolsonaro utilizou ao longo de quatro anos o aparato da Abin para atender a interesses pessoais, como perseguir adversários políticos, avançar no projeto de poder e ainda municiar de informações privilegiadas integrantes da família do ex-presidente, é grave e requer medidas urgentes de punição dos envolvidos e beneficiados, além de mudanças na atuação das entidades de inteligência.
Vimos o serviço de inteligência do Exército infiltrar um militar (capitão “Balta Nunes”) num grupo de jovens que protestavam contra o governo Michel Temer (MDB) e os levar à prisão sem nenhum motivo além da opinião política. Vimos também a Abin monitorar um grupo autodenominado “Antifascistas”, caracterizando perseguição política. Sem dizer que o programa espião FirstMile foi adquirido pelo Exército e pela Polícia Militar de São Paulo sem que tivéssemos nenhuma informação sobre sua utilização.
Infelizmente, a atuação desses serviços de informação não sofre o devido escrutínio da opinião pública e do próprio Congresso Nacional, a quem cabe fiscalizar o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) age de forma reativa às denúncias. É fundamental fortalecer e ampliar o poder de fiscalização da CCAI. Por conta disso, apresentei proposta, que está tramitando nas comissões da Câmara (projeto de lei 4.510/2020), para a criação de uma tipificação criminal do desvio de finalidade das atividades. Proposta legislativa que foi motivada depois da espionagem política e antirrepublicana de Bolsonaro.
Apresentei também o projeto de resolução do Congresso Nacional (PRN 1/23), que permite que os parlamentares atuem no controle da execução orçamentária e financeira da Abin, inclusive acompanhando as compras, aquisições e contratações protegidas por sigilo. E o projeto de Lei 5.139/23, garantindo a obrigatoriedade do envio de relatório trimestral contendo informações sobre suas operações, ações, produtos e bens e serviços utilizados pela agência para a CCAI. Precisamos atuar de forma célere e enérgica para impedir que agentes públicos se utilizem de órgãos estratégicos do Estado para perseguição política.
Por Carlos Zarattini – Deputado Federal (PT-SP) integra a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo