(*) Rui Falcão
A Inteligência Artificial (IA) tem se destacado como uma das forças mais transformadoras em diversos setores da sociedade. No entanto, essas tecnologias trazem uma série de desafios e riscos, entre eles, a concentração excessiva de poder, dados e recursos nas mãos de um seleto grupo de empresas e países. Essa concentração não apenas modela o desenvolvimento e aplicação da IA, mas também limita a participação democrática no debate sobre seu futuro e implicações.
A IA atualmente mais utilizada é o chamado aprendizado de máquina, uma técnica que permite aos computadores aprender e tomar decisões a partir de grandes volumes de dados. Essa tecnologia evoluiu rapidamente, e sua aplicação tem sido vasta, desde o polêmico reconhecimento facial até os famosos modelos de linguagem como o GPT, DALL-E, Google Bard, Gemini. No entanto, o desenvolvimento desses sistemas avançados requer acesso a quantidades massivas de dados, algoritmos sofisticados e capacidade computacional significativa. Esses requisitos têm imposto barreiras substanciais para muitas instituições, consolidando o domínio de poucas empresas de tecnologia, conhecidas como Big Techs.
Historicamente, a academia desempenhou um papel crucial no desenvolvimento do aprendizado de máquina, com universidades lançando alguns dos modelos mais inovadores até 2014. Essa tendência, no entanto, mudou drasticamente nos anos seguintes. Desde então, as Big Techs assumiram a liderança, concentrando os avanços mais significativos sob seu controle. Em 2022, foi relatado que existiam 32 modelos significativos de aprendizado de máquina nas mãos dessas grandes empresas, em contraste com apenas três desenvolvidos por universidades. Não são as máquinas que estão dominando o conhecimento humano, mas sim as Big Techs.
O controle do desenvolvimento da IA por essas corporações não só limita a inovação fora de seus domínios, mas também amplia a dependência tecnológica de países e empresas menores. No contexto brasileiro, por exemplo, essa dependência se manifesta de duas formas principais: pela entrega de dados valiosos da população e economia local para o treinamento de modelos de IA dessas corporações e pela participação em um ecossistema que favorece o uso de tecnologias já desenvolvidas pelas Big Techs. Esse cenário reforça uma dependência digital profunda, tornando imperativo o desenvolvimento de estratégias para a construção de infraestruturas tecnológicas próprias e soberanas.
A necessidade de uma ação coordenada por parte do Estado e da sociedade para enfrentar esse desafio é evidente. Investir em infraestrutura tecnológica nacional, promover a pesquisa e desenvolvimento local em IA e estimular a criação de um novo ecossistema digital são passos cruciais para reduzir a dependência das Big Techs. Isso não apenas fortaleceria a soberania digital do país, mas também abriria espaço para a valorização da inteligência coletiva local.
A IA até o momento ilustra não apenas o potencial dessa tecnologia para transformar o mundo, mas também os riscos associados à sua concentração em poucas mãos. O debate sobre o futuro da IA não pode ser deixado exclusivamente para as empresas que atualmente dominam seu desenvolvimento. É fundamental uma participação mais ampla e democrática para garantir que os benefícios da IA sejam compartilhados de maneira justa e que seus riscos sejam gerenciados de forma responsável.
(*) é deputado federal (PT-SP)
** Sérgio Amadeu da Silveira, sociólogo e professor de Políticas Públicas da UFABC
Artigo publicado originalmente no site Brasil 247