“A Câmara vai respaldar Bolsonaro, vai ser genocida como ele?”, questiona Gleisi em entrevista à RBA

Para a parlamentar petista, já há um pacto da direita com a extrema direita, do establishment e da elite, para conservar Bolsonaro até 2022.

A deputada federal e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PR), defende enfaticamente a necessidade de a Câmara abrir processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo com o apoio que o chefe do Executivo ainda tem (de cerca de um terço da população, apesar da crise econômica e sanitária que o país atravessa), a parlamentar acredita que “condições favoráveis” para a destituição de Bolsonaro não podem ser criadas pela imobilidade, mas decorrem do debate e do embate político.

“A esquerda e a oposição têm obrigação de denunciar e cobrar. A gente não briga só nas condições ideais da política, temos que criar as condições para as coisas acontecerem”, afirma. Para ela, a abertura da comissão de impeachment produziria um debate nacional sobre o que está acontecendo com o país. “Bolsonaro tem crimes de sobra para isso. O desgaste dele é crescente”, completa.

O número de mortes pela covid-19 (que já se aproxima de 80 mil pessoas), o número de infectados (mais de 2 milhões), a crise econômica, a quebradeira de empresas, principalmente as micro e pequenas, que geram emprego. Junto a isso, a dramática situação da área da saúde, já mais que alarmantes, formam um quadro que ainda vai se deteriorar muito, na opinião de Gleisi. “A Câmara vai respaldar o Bolsonaro, vai ser genocida com ele?”, questiona.

“O que queremos é que o Rodrigo Maia abra o processo para começar o debate na sociedade”, defende. “Se a Câmara achar que temos que fortalecer o Bolsonaro e ficar com ele, vai ser responsável pelo que está acontecendo no país.”

Mesmo diante do fato de a oposição ter uma bancada pequena na Câmara (cerca de 135 deputados), a deputada acredita que a imobilidade não é a solução. “Nós não temos número para passar o impeachment. Mas se não fizermos nada, vamos continuar não tendo.”

Até porque, de acordo com ela, os setores conservadores estão pareados. “Já tem acordo do setor financeiro e do Centrão com o Bolsonaro, para que a pauta do Paulo Guedes continue”, acusa. “Eles já estão com uma grande articulação, um pacto da direita com a extrema direita, do establishment, da elite, para conservar Bolsonaro até 2022.  Vão destruir o Estado brasileiro, destruir a vida da maioria da população, dos trabalhadores, e nós não vamos sequer fazer o embate?”, questiona.

Siga os principais trechos da entrevista de Gleisi Hoffmann.

 

Acha politicamente viável o impeachment de Bolsonaro, considerando que ele ainda conta com o apoio de um terço da população?

Nossa posição pela abertura da comissão de impeachment é para fazer um debate nacional sobre o que está acontecendo. E Bolsonaro tem crimes de sobra para isso. O desgaste dele é crescente. Embora ele ainda tenha apoio, as situações vão piorando. O número de mortes pela covid, o número de infectados, a crise econômica, a quebradeira de empresas, principalmente as micro e pequenas, que geram emprego. A situação da saúde e econômica vai se deteriorar muito.

Não tenho dúvida de que isso vai ter impacto na imagem do Bolsonaro, porque ele não tem condições políticas, administrativas e humanas de enfrentar essa crise. Vemos numa pesquisa Vox Populi que as pessoas não veem nele capacidade de enfrentar e sair da crise. E ele tem grande responsabilidade sobre o que estamos vivendo. Ele não articulou ações com governadores, prefeitos, área da saúde para enfrentar a pandemia nem articulou com setores econômicos, de trabalhadores e empresariais.

Como fazer o impeachment sem mobilização de rua?

Com certeza falta, porque não temos condições de fazer grandes atos, por conta da pandemia. Já tivemos atos pela democracia contra o Bolsonaro, mas não entraram todos os movimentos sociais, da sociedade. Mas um processo de impeachment é longo, não é curto. O que queremos é que o Rodrigo Maia abra o processo para começar o debate na sociedade. Aí vai ter debate na Câmara sobre o que é o governo Bolsonaro e o que está acontecendo, para esclarecer a população.

Hoje na Câmara quase não tem debate. Com essas sessões on-line, a gente fica sem voz, porque fala um por vez, majoritariamente os líderes, é uma coisa insossa, não tem disputa política. Se tiver uma comissão de impeachment, isso vai chamar muita atenção. As pessoas hoje não acompanham a Câmara porque é uma discussão modorrenta, sem vida, sem embate.

A justificativa do presidente da Câmara para ter o cenário ideal para o impeachment está desconsiderando o mal que Bolsonaro faz ao país. Um presidente que é genocida, está desestruturando a economia, acabando com a Amazônia, é responsável pela morte dos indígenas, pelo desemprego crescente, pela redução de renda das pessoas. Com a Dilma, que não tinha crime de responsabilidade, e nem sequer um 12 avos da crise que vivemos agora, eles fizeram impeachment.

A Rede Globo, por exemplo, atacou a Dilma até desgastá-la. Agora, atacou Bolsonaro, e quando conseguiram calar Bolsonaro e deixar ele no canto, recuaram, porque tem a pauta econômica. A esquerda e a oposição têm obrigação de denunciar e cobrar. A gente não briga só nas condições ideais da política, temos que fazer as condições para as coisas acontecerem.

Foto: Paulo Pinto/Arquivo

Se abrir o impeachment com Bolsonaro e esse apoio de um terço da população se mantiver, não há o risco de acabar não passando e ele se fortalecer?

Há sempre risco na política. O que importa é qual a causa que temos e como vamos fazer a estratégia. Se a Câmara achar que temos que fortalecer o Bolsonaro e ficar com ele, vai ser responsável pelo que está acontecendo no país. As pessoas não podem ser meio responsáveis, um pouco responsáveis, e conviver com uma situação que está jogando milhões de outras pessoas na pobreza, na miséria, milhares morrendo. É disso que estamos falando.

Esse debate tem que ser aberto. A Câmara vai respaldar o Bolsonaro, vai ser genocida como ele? Onde está esse debate da base de apoio do Bolsonaro, a não ser em projetos colocados pelo Rodrigo Maia nem sempre acertados com todo o colégio de líderes? Na comissão de impeachment faríamos esse debate, seria televisionada, é um espaço para falar com esses 30% da população, que muitas vezes são induzidos a apoiá-lo pela rede de comunicação que ele tem.

Hoje a oposição tem 135 deputados…

Nós não temos número para passar o impeachment. No quadro atual, não temos. Mas se não fizermos nada, vamos continuar não tendo, porque já tem acordo do setor financeiro e do Centrão com o Bolsonaro, para que a pauta do Paulo Guedes continue. Aí a gente não vai fazer o embate político pelo impeachment e eles vão continuar passando a pauta econômica porque continuamos não tendo apoio. Vão destruir o Estado brasileiro, destruir a vida da maioria da população, dos trabalhadores, e nós não vamos sequer fazer o embate?

Pelo menos temos que ter um espaço político para fazer esse embate. Até o pessoal que defendia a democracia ampla, aquela democracia liberal, recuou. Recuou por quê? Porque Bolsonaro ficou quietinho e eles estão passando a agenda. Privatizaram a água. Qual foi o espaço de debate que nós tivemos? Nenhum.

Eles já estão com uma grande articulação, um pacto da direita com a extrema direita, do establishment, da elite, para conservar Bolsonaro até 2022. E ficam fazendo discursinhos, como Rodrigo Maia, como Fernando Henrique, de oposição mais ou menos, para salvar a pauta econômica. Esses caras têm que vir a público, então, e dizer realmente o que acham, e debater a pauta econômica. No impeachment a gente tem que debater isso também, o crime que ele está cometendo contra as empresas, a economia do país, a saúde pública.

Nesse contexto, o auxílio emergencial tem chance de ser prorrogado até o fim do ano?

Estamos lutando para isso. Ainda que isso possa reverter até como apoio a Bolsonaro. Você sabe que governo tem muita força. Quando ele paga o auxílio, o que passa é que é uma situação dele.

Na Câmara, por que não acontece nada no Conselho de Ética em relação a Eduardo Bolsonaro?

Porque está tudo parado. A posição do Rodrigo é parar tudo, nada funciona a não ser o Plenário. É a deliberação da presidência da Casa. Não funciona Conselho de Ética, não funciona comissão, não funciona nada. Além de ser menor, a oposição está paralisada, imobilizada por essa forma de funcionamento da Câmara. Se abrir o impeachment, é obrigado a colocar a comissão e a televisionar, a passar o debate para as pessoas. Nós não conseguimos fazer o debate na mídia tradicional, não conseguimos no parlamento. Fazemos nas redes sociais, nos veículos que se posicionam diferente. Estamos calados.

Alguns deputados da oposição, do PCdoB (Perpétua Almeida), mesmo do Psol (Marcelo Freixo), admitem que, embora conservador e liberal, Rodrigo Maia acabou ajudando, por exemplo, na aprovação do auxílio emergencial. Você concorda?

Claro que acabou ajudando. Tinha pressão e ele sabia que era bom para ele e para a Câmara. Quero ver se vai ter coragem, desse pessoal que aprovou isso, junto à agenda econômica, de aprovar uma renda básica. Agora estão discutindo. Sabe qual vai ser a saída deles para a questão do auxílio emergencial? Fazer a renda básica na concepção liberal. Aí tira da renda básica o salário família, o BPC, seguro-desemprego, e coloca tudo numa renda básica. É o que o Guedes quer fazer. E onde temos espaço para debater isso?

Aí o Rodrigo Maia escala os mais liberais para fazer debate sobre o renda básica, a Tabata (Amaral, PDT-SP), o pessoal que representa o campo mais conservador, que se diz progressista mas é conservador, com essa concepção de tirar direitos.

Como vê a Lava Jato indo para cima do PSDB?

Eu acho que eles estão querendo limpar a barra deles. Como ficaram no córner, foram emparedados por essa questão do acordo informal, ilegal, que fizeram com os americanos (FBI) para fazer as investigações da Lava Jato, resolveram abrir um fato político. Eu acho que é bom que abram, sim, porque desde o início só vinham em cima do PT. E tinha muitos problemas com outros partidos, como o PSDB, principalmente. E eles estavam poupando. Como eles já esgotaram tudo, já fizeram tudo contra o PT, resolveram ir para o PSDB. O problema é que querem livrar a barra deles.

Na questão da Lava Jato está tendo um embate entre o bolsonarismo e o morismo…

Sim, claro. E é bom que eles façam o embate mesmo. Porque aí ambos conhecem quem é um e outro.

 

Por Rede Brasil Atual

 

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