Misoginia impede debate sobre questão de gênero no País, afirma especialista

O desprezo e o preconceito contra mulheres existente na sociedade brasileira, de forma consciente ou inconsciente, interditam o debate sobre as questões de gênero no País dificultando o combate à violência física, sexual e psicológica praticada pelos homens. A constatação foi feita nesta terça-feira (26) pela professora e doutora em Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Valeska Zanello, durante audiência pública das Comissões de Defesa dos Direitos da Mulher (CMulher) – presidida pela deputada Ana Perugini (PT-SP) – e de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara. O debate foi proposto, entre outros, pelas deputadas petistas Erika Lula Kokay (DF), Benedita Lula da Silva (RJ) e Luizianne Lula Lins (CE).

Durante a reunião, a psicóloga destacou que a misoginia (repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres) é a grande causa da violência praticada contra as mulheres no País, na maioria casos dentro dos lares e por pessoas próximas, nestes casos pelo pai, padrasto, tio, primo ou irmão. “Infelizmente, para essas mulheres o lugar mais perigoso para elas é a casa onde vivem. É lá que se cometem os abusos e onde na vida adulta muitas apanham ou morrem”, lamentou.

Segundo Valeska Zanello, essa realidade é fruto de uma educação que coloca a mulher em posição de inferioridade em relação aos homens, passada desde a primeira infância na maioria dos casos pelos próprios pais e reforçadas pela sociedade ou pelos meios de propaganda. Ela observou que tudo começa pela responsabilização exclusiva às mães sobre os cuidados dos filhos, cabendo aos homens apenas o papel de provedor.

“Crianças negligenciadas no Brasil é sempre culpa da mãe. Homens só são encaminhados para os Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) quando abusam sexualmente dos filhos ou usam drogas na frente deles”, observou. Os Creas são unidades públicas de políticas de Assistência Social onde são atendidas famílias e pessoas que estão em situação de risco social ou que tiveram seus direitos violados.

Segundo ela, desde crianças é ensinado às meninas que devem ser submissas aos homens, que devem ter como objetivo de vida procriar e cuidar dos filhos, e que a felicidade delas depende do gênero oposto. “E essa visão é passada até em desenhos animados e filmes como ‘A Bela e a Fera’, onde a mulher se casa com a Fera, e dependendo dela, ele pode virar um príncipe. Não, isso não acontece. Se a mulher casa com um Ogro, vai viver o resto da vida com um Ogrão”, ressaltou.

Ela observou ainda que é muito comum um menino ser advertido quando criança a “não se comportar como mulherzinha”, criando no imaginário deles a ideia de que ser mulher é algo ruim. “A nossa masculinidade está doente. Ela está calcada no pilar de que ser homem é apoiar-se na misoginia”, ressaltou. Para combater essa realidade, a doutora salientou que além da luta das mulheres, é necessária a conscientização dos próprios homens.

“Naquele grupo de WhatsApp onde homens recebem mensagens ou vídeos que ridicularizam, inferiorizam ou colocam a mulher como objeto sexual, não basta apenas algum deles dizer que não compartilha. É preciso que eles recriminem esse tipo de postagem”, defendeu.

Para a deputada Ana Perugini, a mudança desse tipo de pensamento deve passar por uma educação que reconheça a condição de igualdade entre homens e mulheres. “Temos neste País uma cultura doentia, que leva muitos homens a crerem que há uma disputa de espaço onde ele perde se a mulher ganhar. É dentro das escolas que temos que desconstruir esse discurso misógino contra as mulheres”, apontou.

Transexualidade – Durante a audiência, também foram debatidos o preconceito em relação à discussão de gênero relativo aos casos de transexualidade e de racismo contra mulheres negras. Sobre a transexualidade, a deputada Erika Kokay destacou que a interdição desse debate é fruto do fundamentalismo religioso e do autoritarismo de setores que não aceitam a diversidade sexual existente na sociedade.

“Os transexuais sempre existiram e sempre existirão, e merecem ser reconhecidos como são porque não tem o sentimento de pertencimento ao corpo ao qual nasceram”, afirmou.

Já a doutoranda em Psicologia Clínica e representante da Articulação Nacional de Psicólogos Negros e Negras Marizete Gouveia disse que as mulheres negras sofrem em duplicidade o preconceito sofrido pelas outras mulheres e por isso precisam de atenção específica.

“Não há políticas para as mulheres negras na saúde mental, por exemplo. O sofrimento da mulher negra é duplo, por ser mulher e também por ser negra. Portanto, não dá para considerar apenas políticas de saúde mental para a mulher, é preciso uma política específica para as mulheres negras”, esclareceu.

Também participaram da audiência pública a neuropsicóloga clínica Rosivância Tosta, e do psicólogo clínico Adriano Lima.

 

Héber Carvalho

 

 

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