Especialistas e representantes de entidades que combatem o uso indiscriminado de agrotóxicos afirmaram nesta quarta-feira (23) que o uso de veneno utilizado no campo tem afetado a qualidade de vida das pessoas que moram nas cidades. Segundo eles, o projeto de lei (PL 6299/02) que ‘libera geral’ o uso de agrotóxicos no País, apelidado de “Pacote do Veneno” (previsto para ser votado na próxima terça, 29 – na Câmara), tem o potencial de aumentar os casos de danos à saúde e ao meio ambiente. As declarações aconteceram durante audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) da Câmara, que debateu os impactos dos agrotóxicos nas cidades. A reunião foi idealizada pelos deputados João Lula Daniel (PT-SE) – vice-presidente do colegiado – e Nilto Lula Tatto (PT-SP).
Para a representante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida Carla Bueno a contaminação dos alimentos pelo uso de veneno já é uma realidade que pode aumentar ainda mais com a aprovação do “Pacote do Veneno”. Segundo ela, em uma pesquisa apresentada pelo Greenpeace em outubro de 2017, apontou que 36% dos alimentos comprados nos supermercados do País têm quantidade de resíduos de agrotóxicos acima do permitido por lei.
“Esse projeto, apoiado pelas indústrias transnacionais que controlam a cadeia do veneno – agrotóxicos e medicamentos – que facilita o registro e uso dos agrotóxicos não representa a sociedade”, destacou. Como um dos exemplos de multinacional que atua nos “dois lados”, Carla Bueno apontou a alemã Bayer.
Sobre os prejuízos à saúde com o consumo de alimentos contaminados, Carla Bueno revelou que o Instituto Nacional do Câncer (Inca) constatou em pesquisa, nos últimos dez anos, um aumento de 190% dos casos de câncer relacionados ao uso de agrotóxicos. Ainda sobre o tema, o representante da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Guilherme Franco Netto ressaltou que entre 2007 e 2017, foram constatados 107,5 mil casos de intoxicação por uso de agrotóxicos e 3452 mortes. “Apesar de essa não ser uma estatística pequena, há uma clara subnotificação desses casos. Fala-se que esses números seriam até dez vezes maiores”, explicou.
Em relação às consequências da ingestão de agrotóxicos, acidental ou pela ingestão de alimentos, Guilherme Netto revelou que pesquisas indicam o aumento no número de casos de câncer, alterações genéticas, lesões do sistema reprodutivo, malformações congênitas, desregulações hormonais, alergias, depressão, entre outros problemas. “Isso demonstra que não se trata de uma questão ideológica, mas sim, de saúde pública”, alertou.
O representante da Fiocruz condenou a mudança do conceito de agrotóxico (agro= terra cultivável e tóxico= veneno) para fitossanitário (fito= planta e sanitário= saúde). Ele disse que a alteração visa a induzir a crença de que “o veneno não é perigoso para a saúde”. A doutora em Ciência da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFSE), Tereza Raquel Serra, alertou que 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros provêm do campo, e que “ao se liberar o uso de agrotóxicos podem facilmente ser contaminados”.
A diretora de Qualidade Ambiental do Ibama, Jacimara Guerra Machado, destacou que o órgão já se posicionou contra a liberalização do uso de agrotóxicos. Segundo ela, na análise de pedidos de entrada no mercado desse tipo de produto “o Ibama dá preferência aos agrotóxicos com baixa toxicidade ou que tenham origem biológica, como forma de causar o menor impacto no meio ambiente ou para a população urbanas e rural”, garantiu.
A representante do Ibama lembrou que essa orientação está de acordo com os Objetivos do Milênio da ONU, compromisso internacional assumidos pelo Brasil junto à comunidade internacional. Entre eles, Jacimara Machado apontou a meta que falar em “garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente”.
Sobre esse enfoque o subprocurador do Trabalho e coordenador do Fórum Nacional de Combate ao Uso Abusivo de Agrotóxico, Pedro Serafim, criticou a pressão da bancada ruralista pela aprovação do “Pacote do Veneno”. “Por deliberamos que os nossos fóruns estaduais pressionem os governos locais a utilizarem produtos orgânicos ou agroecológicos, e que defendam a aprovação do PL 6670/2016, que institui a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos”, afirmou.
Consumidor– Já o representante do Instituto de Defesa do Consumidor, Rafael Arantes, cobrou dos governos ações que estimulem o consumo de produtos orgânicos ou agroecológicos, como forma de combater a produção de alimentos baseados no uso de veneno.
“Atualmente apenas 1,5% da população consome alimentos orgânicos ou agroecológicos por conta do alto preço cobrado nos supermercados. A saída é a adoção de políticas públicas que eliminem a figura do atravessador, e institua meios de comercialização direta entre produtores e consumidores, agregando valor ao produto e reduzindo o preço ao consumidor”, defendeu.
Também participaram da audiência pública a deputada Margarida Lula Salomão (PT-MG) – presidente da CDU – e os deputados Lula Bohn Gass (PT-RS) e Lula Marcon (PT-RS).
Héber Carvalho