Pesquisadores apontam os impactos negativos, inclusive no PIB, de um ajuste fiscal em cima dos mais necessitados, como querem o mercado e seus sócios na mídia corporativa
O Brasil, país ainda marcado por profundas desigualdades sociais, enfrenta um debate crucial sobre sua política econômica. No centro da discussão está o pacote de ajuste do governo Lula, pressionado pelo mercado financeiro para cortar benefícios sociais e restringir o ganho real do salário mínimo, adequando a valorização do piso nacional às regras do novo arcabouço fiscal. Entretanto, um estudo do Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades) da USP aponta que a medida pode intensificar a desigualdade e agravar a pobreza.
Publicado na Folha de S. Paulo, o levantamento simula um cenário em que o crescimento do salário mínimo seria regido pelas normas do arcabouço fiscal, que limitam o aumento das despesas públicas entre 0,6% e 2,5% ao ano. A proposta inclui desvincular seu reajuste de aposentadorias e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). De acordo com o Made, a medida penalizaria principalmente os mais pobres, além de comprometer a arrecadação e gerar impactos recessivos.
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A desigualdade em números
O estudo indica que, caso a restrição do ganho real estivesse vigente desde 2000, a desigualdade teria aumentado significativamente. No caso das aposentadorias e pensões, poderia ter subido entre 3,2% e 3,8%, enquanto os gastos públicos seriam reduzidos de 15,9% a 19,9%. O índice Gini, que mede a concentração de renda, teria avançado de 0,529 para valores entre 0,546 e 0,549.
O impacto sobre o BPC, que garante um salário mínimo a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, seria igualmente grave. Os gastos com o programa seriam reduzidos em até 45,5%, gerando uma economia de R$ 50 bilhões, mas a desigualdade subiria 0,75%, promovendo um corte severo no poder de compra das camadas mais vulneráveis, com efeitos diretos na atividade econômica.
Riscos de retrocesso social
A partir de 2001, especialmente nos governos Lula e Dilma, o Brasil experimentou uma redução histórica da desigualdade, possível, em grande parte, pela valorização do salário mínimo e pela expansão de benefícios sociais. Essa tendência, no entanto, pode ser revertida com a implementação das novas regras, como aponta Guilherme Klein Martins, professor na Universidade de Leeds, na Inglaterra, e um dos autores do estudo.
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Segundo Klein, caso a aposentadoria e o BPC fossem reajustados pela inflação, em vez de seguir a correção do salário mínimo, cerca de 40% dessa redução na desigualdade poderia não ter ocorrido. “A prioridade deveria ser começar revendo despesas, inclusive tributárias, que afetam os mais ricos”, aponta.
A pesquisa também revela que cortes em benefícios sociais têm efeitos multiplicadores negativos no PIB. Para cada R$ 1 retirado, estima-se uma redução de R$ 2,15 no produto interno bruto no médio prazo, gerando um impacto recessivo na economia e afetando o crescimento e a arrecadação do Estado.
Caminhos alternativos
Apesar da necessidade de equilíbrio fiscal, especialistas sugerem ajustes em áreas que não penalizem os mais pobres. Ricardo Paes de Barros, um dos idealizadores do Bolsa Família, defende a revisão de subsídios tributários e emendas parlamentares ineficientes, além de corrigir distorções fiscais, como a isenção sobre lucros e dividendos.
Outra solução seria aprimorar o uso do Cadastro Único, que reúne informações detalhadas de mais de 40 milhões de famílias. Incorporar dados como níveis de educação, saúde e situação de desemprego permitiria uma gestão mais eficaz dos programas sociais.
Embora a contenção fiscal seja importante, limitar o ganho real do salário mínimo apresenta custos sociais elevados. Fortalecer o piso salarial, por outro lado, continua sendo uma ferramenta essencial para combater a desigualdade e construir um país mais justo.
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PT Nacional