Além de criminalizar os movimentos sociais que lutam pela reforma agrária e atacar o governo Lula, a CPI do MST foi palco nesta terça-feira (1º) de um ataque direto à democracia brasileira. Durante depoimento do general Gonçalves Dias na CPI, o relator Ricardo Salles (PL-SP) defendeu a falsa narrativa de que o Golpe Militar de 1964 ocorreu para evitar a “instalação do comunismo no Brasil”. O relator tentou ainda constranger o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República) a defender o golpe militar de 1964. A atitude Salles foi duramente questionada por petistas na CPI.
Durante a utilização de seu tempo como autor do requerimento de convocação do militar, Ricardo Salles fugiu do motivo da convocação de Gonçalves Dias – que seria a explicação sobre hipotéticos relatórios de Inteligência elaborados pela Abin (Agência Brasileira de Informações) sobre atividades do MST – para tentar arrancar dele um apoio ao Golpe Militar de 1964. Salles indagou ao militar se ele concordava com a afirmação de que o “movimento de 64 salvou o Brasil do comunismo”. O relator alegou que a sua pergunta teria nexo com o tema da CPI porque, segundo ele, o MST defende a “implantação do comunismo no Brasil”.
Ao responder Ricardo Salles, o general G Dias – como é conhecido – respondeu que esse não era o tema de sua convocação e que não falaria sobre o assunto. Contrariado, o relator disse na sequência que esse gesto revelava uma “posição ideológica” do militar e que seria “uma vergonha perante seus companheiros de farda”. Bolsonaristas chegaram ao cúmulo de distribuir pedaços de melancia no plenário, em uma alusão utilizada durante a ditadura que classificava militares contrários ao golpe militar como “verdes” por fora e “vermelhos” (comunistas), por dentro.
Pela liderança do governo Lula na Câmara, o deputado Alencar Santana (PT-SP) lamentou que, em pleno século XXI, ainda exista no Brasil um parlamentar que defenda o Golpe de 1964. “Quero lamentar os que aqui defendem o Golpe de 64. Aquilo não foi um movimento. Movimento é o MST, que se organiza de forma diversa e que usa o protesto para ter conquistas. Aquilo (que ocorreu em 1964) foi um golpe sangrento, duro e violento que deixou feridas severas neste País e ainda tem gente que dizendo que aquilo foi bonito. Que “ordem” é essa que baixou o sarrafo, matou e torturou? Não podemos compactuar com isso”, afirmou o petista.
PT vai acionar Conselho de Ética contra Salles
A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), anunciou que vai acionar o Conselho de Ética contra o Ricardo Salles por defender o Golpe de 64. “Estamos dentro de um Congresso Nacional que foi fechado pela ditadura militar em 1964. No entanto, veja como a democracia é uma benção. Ela dá direito, inclusive, aqueles que são contra ela de falar. Nós vamos buscar um processo na Comissão de Ética porque não é possível um deputado eleito para o Congresso fazer apologia à ditadura, defender o golpe de 1964 e desmerecer a democracia”, afirmou Gleisi Hoffmann.
A presidenta do PT criticou ainda o relator por tentar pressionar o depoente a apoiar o golpe militar. Ela lembrou que o general G Dias compareceu à CPI protegido por um habeas corpus do STF (concedido pelo ministro André Mendonça) garantindo a ele o direito de não sofrer constrangimentos. Dirigindo-se ao presidente da CPI do MST, Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), Gleisi cobrou dele que garantisse esse direito ao depoente.
“É obvio que o senhor, presidente, não pode intervir no conteúdo das perguntas. Porém, o próprio Regimento Interno da Câmara afirma que as perguntas a depoentes não podem desviar do tema da convocação. Aliás, o habeas corpus do STF dá ao general o direito de não ser constrangido”, alertou.
Relatório da ABIN
Sobre o objetivo da convocação, o general G Dias destacou que, entre 02 de janeiro e 21 de março – período em que a Abin esteve na estrutura do GSI sob seu comando -, nunca recebeu relatório algum sobre o MST.
Convocação de Rui Costa
Durante a reunião da CPI o presidente do colegiado, deputado Tenente-Coronel Zucco, colocou em votação requerimento do relator Ricardo Salles – que não estava na pauta – convocando o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Pela proposta, o integrante do governo Lula prestaria depoimento – como testemunha – para esclarecer a existência de hipotéticos relatórios da ABIN sobre o MST.
Parlamentares petistas criticaram a ausência de fato determinado que justificasse a convocação do ministro de Lula. O deputado Nilto Tatto (PT-SP) ressaltou que “a tentativa de trazer o ministro Rui mostra claramente que a intenção da maioria dessa CPI é tentar intimidar o governo para não fazer aquilo que estava no plano de governo, que é fazer as políticas públicas de reforma agrária e de produção de alimentos saudáveis”.
O deputado Valmir Assunção (PT-BA) disse que os trabalhos da CPI começaram mal após o recesso parlamentar de julho. “Fica nítido que esta CPI se transformou em palanque político e não quer fazer investigações. Porém, quero registar aqui que todos os ministros que vieram a Câmara deram todas as explicações. Se o ministro Rui Costa vier, porque vocês (bolsonaristas) têm votos suficientes para aprovar o requerimento, ele vai ser muito transparente e vocês é que vão ficar constrangidos com essa perseguição política”, disse.
A maioria bolsonarista conseguiu aprovar o requerimento de convocação de Rui Costa com 14 votos favoráveis e 10 contrários.
Também participaram da reunião da CPI os deputados petistas Paulão (AL), Padre João (MG) e Marcon (RS) e João Daniel (SE).
Héber Carvalho