Bloco econômico não pode perder grandes negócios com base em preconceitos
Diante das dificuldades quase incontornáveis de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, o bloco sul-americano deve ampliar seus horizontes com outros agrupamentos econômicos e regiões. Nesse sentido, não há tempo a perder: a África, nossa vizinha, inclui-se entre os maiores parceiros potenciais com que Brasil e os países sócios do Mercosul devem se aproximar.
O governo do presidente Lula já redefiniu a política de reaproximação com o continente africano, depois do afastamento absurdo promovido pelo governo neofascista passado. Os 54 países da África passam por um momento de grande transformação, com atrativos econômicos que têm despertado o interesse de diferentes nações. Esse impulso ao relacionamento promovido pelo governo brasileiro deve ser replicado como política unificada do bloco do Cone Sul.
De fato, surge no horizonte a perspectiva de negociação de acordo de livre comércio do Mercosul com a Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA). Essa área é importante, pois cria um mercado potencial de 1,4 bilhão de pessoas. A expectativa, segundo a consultoria McKinsey, é de que se crie um mercado consumidor de quase US$ 5,5 trilhões em 2030. O Produto Interno Bruto (PIB) do continente africano deverá crescer 4% neste ano e 3,8% em 2024, prevê a Organização das Nações Unidas (ONU).
A aproximação com o continente africano é questão estratégica. O bloco não pode correr o risco de perder mais fatias do mercado africano, como já aconteceu com o Brasil no período recente. Atualmente, o Mercosul tem acordo com a Sacu (União Aduaneira da África Austral formada pela África do Sul, Namíbia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia). Há também um com o Egito. Ambos os acordos são um exemplo do que pode ser feito com o restante da África.
A presença ampliada do Mercosul necessita, entre outras coisas, da superação de distorções disseminadas nos últimos anos pela extrema direita a respeito do financiamento a exportações. No caso específico brasileiro, conforme lembra o presidente da Apex, Jorge Viana, houve deturpação do que é esse tipo de operação.
Ora, a China e EUA financiam pesadamente as exportações. Há 110 agências de financiamento a exportações no mundo. O Brasil, assim como seus parceiros do Mercosul, não pode ficar refém do preconceito e dos ataques de cunho político e ideológico contra o sistema de financiamento a exportações só por causa de problemas com um ou outro país.
Não podemos perder grandes negócios com base em preconceitos. No setor de máquinas e equipamentos de transportes, por exemplo, o mercado africano é promissor. O Mercosul dispõe de diferentes tecnologias e produtos de interesse dos africanos. Equipamentos agrícolas e industriais, técnicas agropecuárias, engenharia de construção, turbinas hidroelétricas, além de vasto campo de cooperação profissional em áreas como saúde, educação, meio ambiente, formação de mão de obra etc.
A corrente de comércio anual da África supera US$ 1 trilhão, com participação marginal do Cone Sul. A África é vizinha e ainda tem afinidade cultural, em especial com o Brasil, mas do ponto de vista econômico e comercial está distante de nossa região. Em contraste, a China, país do outro lado do planeta, está cada vez mais presente, com atividade frenética em todas as áreas.
No meio diplomático, já há quem defenda a realização de uma reunião de cúpula entre dirigentes do Mercosul e da África para lograr um arrojado Acordo de Livre Comércio. A aproximação do Cone Sul com a África pode se tornar um dos maiores exemplos globais de cooperação Sul-Sul, com grandes benefícios recíprocos.
Zeca Dirceu
Deputado federal pelo Paraná, líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados e membro do Parlamento do Mercosul (Parlasul)
Washington Quaquá
Deputado federal (PT-RJ) e vice-presidente do partido
Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo