Parlamentares do PT que integram a CPI do MST, dominada por integrantes da extrema direita bolsonarista na Câmara, denunciaram que o colegiado está programado para criminalizar o principal movimento social do País que luta pela reforma agrária e que defende a produção de alimentos sem agrotóxicos. Segundo os petistas, essa criminalização ficou clara na apresentação do plano de trabalho do relator do colegiado, o ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, deputado Ricardo Salles (PL-SP).
Logo no início da reunião, o relator revelou que o objetivo da CPI seria “investigar a invasão de propriedade privada, a depredação de patrimônio público e ações correlatas” e “investigar possíveis autoridades que não estejam cumprindo suas funções” para evitar essas ações. O deputado Ricardo Salles disse ainda que poderá requisitar documentos para avaliar as contas do MST. Apesar das acusações, nenhum fato concreto foi apresentado para justificar a CPI, como determina a Constituição Federal e o regimento interno da Câmara.
“O plano de trabalho, se não for corrigido, já é o relatório prévio, pois fala em ‘investigar invasões, depredação e crimes correlatos’. Esse plano de trabalho deve se adequar porque já está criminalizando o MST antes mesmo das oitivas e de reuniões prévias”, denunciou a integrante da CPI e presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
O coordenador do Núcleo Agrário do PT na Câmara, deputado João Daniel (PT-SE), disse que a CPI foi criada com o objetivo de criminalizar os trabalhadores que fazem parte do MST. “A história dessa CPI é a mesma da ‘casa grande contra a senzala’. É a história dos que foram financiados ou estão sendo usados pelos desmatadores de terra e pela grilagem”, apontou.
Assentado da Reforma Agrária, o deputado Valmir Assunção (PT-BA) antecipou que parlamentares bolsonaristas vão usar a CPI apenas para criar falsas narrativas. “Essa CPI não tem fato determinado, ao arrepio da Constituição Federal, e tem o objetivo apenas de servir de palanque político para um grupo que perdeu as eleições”, afirmou.
Ocupações
Sobre a investigação das ocupações, que erroneamente o relator chama de invasões, o deputado baiano explicou que essa é uma ação adotada desde o início do MST para pressionar o poder público a fazer a reforma agrária. “Já houve quatro CPI’s (para investigar o MST) e não encontraram nada. Ocupação de terra é para se cumprir o que diz a Constituição, em seu artigo 184 e 186, que determina a reforma agrária, ao contrário dos grandes proprietários de terra que grilaram terras e assassinaram posseiros”, acusou Assunção.
Por sua vez, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) questionou a função da CPI do MST: “Precisamos de apoio para quem produz o que chega na mesa do povo. Isso não está no escopo desta CPI, que podia fazer um bem para o País e debater aquilo que é necessário para a agricultura brasileira”.
Produção de alimentos
Também assentado da Reforma Agrária, o deputado Marcon (PT-RS) ressaltou que, ao contrário das fake news disseminadas sobre o MST, o movimento é na verdade um grande produtor de alimentos. Na safra 2022/2023, por exemplo, 22 assentamentos do MST esperam colher 16,1 toneladas de arroz orgânico. Atualmente, o MST é o maior produtor de arroz sem agrotóxico da América Latina. “Vai lá na prefeitura de São Paulo e veja que o arroz orgânico que o prefeito [Ricardo Nunes-MDB] está comprando para a merenda das crianças é do MST”, disse o petista aos deputados bolsonaristas.
Já o deputado Padre João (PT-MG) rebateu a acusação de “invasores” feita contra o MST. “Temos que ver aquele modelo de invasão que compra cem hectares e registra mil. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) tem relatório de lideranças comunitárias assassinadas por esse modelo”.
Para o deputado Paulão (PT-AL), integrante do colegiado, na realidade a CPI é um “factoide, uma cortina de fumaça dessa Oposição biruta, que não tem projeto devido a tanto escândalo do presidente fujão, com medo da CPMI que apura os atos que atentaram a democracia. Eles querem criar uma cortina de fumaça para criminalizar o MST e os movimentos agrários”, denunciou.
Paulão disse que é preciso ter bom nível e bom debate na CPI para qualificar e mostrar a importância do MST no Brasil e no mundo. “Num momento atípico, que foi a pandemia, quando a economia paralisou, o MST demonstrou uma palavra fundamental: solidariedade. Ele alimentou irmãos e irmãs que passavam fome. Esse é um movimento fundamental, que mostra a importância da luta agrária”, frisou.
E a deputada Camila Jara (PT-MS) postou nas suas redes sociais. “Suco de uva orgânico da agricultura familiar: até bolsonarista aprova! E foi nesse clima que começamos os trabalhos da CPI do MST. Levei alguns produtos adquiridos na Feira Nacional da Reforma Agrária, como café, arroz e suco de uva, tudo orgânico e sem veneno, e fiz questão de servir o suco pessoalmente pra cada um dos membros da CPI. Até o Ricardo Salles aprovou, e olha que nem tem trabalho escravo envolvido hein…”
Segundo Camila Jara, o MST, o maior movimento popular da América Latina, “desempenha um papel importantíssimo na segurança alimentar do país, além de ajudar na preservação ambiental”.
Violência no campo
Em relação a acusações de bolsonaristas sobre supostos atos de violência praticados pelo movimento, Marcon lembrou que, nos últimos anos, nenhuma notícia de assassinato no campo foi protagonizada pelo MST. “Quantas mortes pela posse da terra, de quilombolas, de indígenas e de ambientalistas foi obra do MST? Nenhuma dessas mortes foram praticadas por sem-terra”, lembrou o petista sobre o crescimento vertiginoso desse tipo de mortes durante o governo Bolsonaro.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os conflitos por terra no Brasil aumentaram 16,7% em 2022, em relação ao ano anterior, atingindo 181.304 famílias. Nas 1.572 ocorrências registradas, 28% envolveram povos indígenas, 19% famílias posseiras, 16% quilombolas, 11% sem-terra e 9% famílias assentadas da reforma agrária, entre outras categorias camponesas (ribeirinhos, pescadores e extrativistas).
Ainda de acordo com o levantamento, os principais responsáveis pela violência no campo em 2022 foram fazendeiros (23%), governo Bolsonaro (16%), empresários (13%) e grileiros (11%). Nesse caso, a principal mudança observada no estudo em relação a 2021 foi o crescimento da participação do governo federal nos conflitos de terra, que saltou de 10% para 16%.
Héber Carvalho