Representantes do Observatório da Mineração e da organização Sinal de Fumaça apresentaram nesta quinta-feira (27), na Câmara dos Deputados, o relatório “Dinamite Pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena” no País. Durante audiência pública na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de iniciativa do deputado Nilto Tatto (PT-SP), os ativistas apesentaram várias medidas adotadas durante o governo Bolsonaro para desmontar os marcos regulatórios do setor e enfraquecer os órgãos de controle, ao mesmo tempo em que avançava o garimpo ilegal e os ataques a povos indígenas, principalmente na Amazônia.
No encontro, o fundador e diretor do Observatório da Mineração, Maurício Angelo, elencou algumas ações efetivadas pelo governo anterior que beneficiaram o setor. O relatório detalha, por exemplo, como o lobby do garimpo possuía livre acesso a autoridades do governo Bolsonaro. “Foram inúmeras reuniões e audiências, que demonstram uma proximidade da qual essa turma não dispunha em governos anteriores”, observou.
Segundo Angelo, foi após esses contatos diretos que surgiu, por exemplo, o projeto de lei (PL 191/2020). A proposta, que contou com forte articulação do governo Bolsonaro para ser aprovada no Congresso, autorizava a mineração em terras indígenas. O relatório “Dinamite Pura” também relembra como discursos e ações de integrantes do governo, como do próprio ex-presidente Bolsonaro, de seu então vice, Hamilton Mourão, e do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, incentivaram o garimpo ilegal a se proliferar, principalmente na região Amazônica.
“Houve uma doutrinação de choque, com notícias falsas e desinformação, além de desregulamentação (da legislação), aparelhamento de instituições de controle social, desmobilização de órgãos de controle e criminalização de movimentos sociais. Vimos uma mistura de táticas para fazer avançar uma agenda predatória do uso da terra, seja para mineração ou agricultura, que resultou em aumento da violência e do desmatamento”, disse Rebeca Lerer, Fundadora da Plataforma de Monitoramento Ambiental Sinal de Fumaça.
Memória
Durante a reunião, o diretor do Observatório da Mineração ressaltou que organizar a memória dos retrocessos no setor da mineração durante o governo Bolsonaro pode estimular a adoção de novas práticas no País. “É importante olha para o passado, ter essa memória, porque na área da mineração as coisas não mudam em 1, 2 ou 3 anos. Houve no Brasil uma construção histórica para chegarmos ao que estamos vivendo”, disse Maurício Angelo, em relação a crise humanitária envolvendo a etnia Yanomami, vítima do garimpo ilegal.
Já a fundadora da Plataforma Sinal de Fumaça destacou que, além dos ataques do garimpo ilegal aos direitos indígenas, o relatório também é importante para tentar mudar a forma de relação do setor mineral com o governo. “Vimos que a política mineral estava passando batida. Havia destaque ao projeto que liberava o garimpo em terras indígenas e as violações aos direitos humanos deles, mas nem tanto para como as mineradoras internacionais estavam tendo acesso aos nossos minerais estratégicos e como projetos de exploração estavam sendo negociados com pouca transparência”, apontou.
Presente e Futuro
Em relação ao presente, Maurício Angelo elogiou iniciativa adotadas pelo governo Lula que apontam para uma mudança de rumo, principalmente em relação ao garimpo ilegal. Ele elogiou principalmente a proibição do garimpo em terras Yanomamis e a ajuda humanitária prestada pelo atual governo.
No entanto, ele alertou que é preciso questionar o modelo de desenvolvimento baseado na mineração. Na questão ambiental, o ativista lembrou que o setor da mineração é responsável pela emissão de 107 milhões de toneladas de CO2 por ano, sendo um dos principais responsáveis ao lado de desmatamento. O diretor do Observatório da Mineração observou ainda que a mineração também não tem gerado desenvolvimento e bem-estar aos habitantes dos municípios onde mantém atividade.
“Quando uma grande mineradora chega em uma área (para explorar) o discurso é de que vai trazer desenvolvimento, empregos, impostos e que vai melhorar a vida das pessoas. Na prática, se olharmos o legado da mineração em cidades de Minas Gerais, como Mariana, Brumadinho, Itabira, Congonhas, e no Pará, em Paraopebas, Marabá e Carajás, a gente vê cidades com pouca estrutura, com um desenvolvimento em saúde e educação que não é alto e com boa parte da população na pobreza”, explicou.
Recomendações
Além do diagnóstico sobre a questão da mineração, o relatório traz ainda uma série de sugestões para a retomada de governança pública no setor e redução dos impactos da atividade sobre a população. Entre eles, o fortalecimento dos órgãos de controle ambiental e de regulação da atividade, para evitar controlar a emissão de poluentes e a ação do garimpo ilegal; controle da cadeia do ouro, para evitar a extração clandestina como a ocorrida em terras Yanomami; arquivamento do PL 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas; maior rigor na fiscalização de barragens e participação social ampliada na definição de projetos minerários.
Diante da apresentação do relatório, o deputado Nilto Tatto – que presidiu o encontro – concordou com o diagnóstico e as propostas para modernizar a atividade da mineração. No entanto, ele alertou que essas medidas também precisam ser acompanhadas de uma redefinição da vocação econômica do País.
“O Brasil é historicamente um fornecedor de matéria prima, de commodities e mão de obra barata. E esse não é um debate apenas da mineração, mas também da agricultura. Nosso País precisa se reindustrializar de forma sustentável. E não pode ser qualquer tipo de indústria, porque precisamos gerar empregos e renda. Precisamos agregar valor aos nossos produtos exportados, para rompermos essa relação colonialista de recebermos aqui as quinquilharias produzidas com matérias primas que nós exportamos para outros países”, afirmou.
Leia abaixo a íntegra do relatório:
https://observatoriodamineracao.com.br/wp-content/uploads/2023/03/DINAMITE_PURA_VFINAL.pdf
Héber Carvalho