É com grande expectativa que aguardo a notícia da possibilidade de publicação da portaria para suspender a implementação do novo ensino médio em todo o território nacional. Desde o anúncio da reforma, em 2017, tenho me posicionado firmemente contra essa medida, ao lado de trabalhadoras e trabalhadores e dos movimentos em defesa da educação, contra essa medida que representa um verdadeiro desserviço à educação brasileira e um silenciamento das histórias da representação social e da construção cultural do país.
A proposta foi apresentada como uma solução para melhorar a qualidade do ensino, mas na verdade, seu principal objetivo era reduzir custos e precarizar as condições de trabalho dos professores. Entre outras coisas, a reforma previa a flexibilização do currículo, permitindo que os estudantes escolhessem uma área de conhecimento para se aprofundar, em detrimento da formação geral. Esse modelo excludente tem agravado ainda mais as desigualdades educacionais no país, privilegiando apenas uma parcela da população.
Além disso, a reforma ignorou completamente a importância da educação para a formação de cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade. Ao retirar disciplinas como filosofia, sociologia e história da grade curricular obrigatória, o novo ensino médio silencia as vozes e histórias das populações e grupos marginalizados, contribuindo para uma construção cultural e social ainda mais desigual e injusta.
Defendo a revogação do novo ensino médio e argumento que esse modelo vai contra o previsto na Lei de Bases e Diretrizes da Educação que pressupõe igualdade, diversidade e equidade. É preciso lembrar que a maioria das pessoas que estão no ensino médio em escolas públicas são jovens negros e mulheres, e os ditos itinerários formativos não consideram às questões de gênero e raça e ignoram a lei 10639/2003, que trata do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.
De acordo com os dados disponíveis no Censo Escolar de 2022, realizado anualmente pelo do INEP, mais de 50% das matrículas do ensino médio regular foram do sexo feminino e no corpo docente, 79,2% são professoras. Ou seja, mais uma vez as mulheres, serão especialmente prejudicadas. Principalmente observando do ponto de vista social, com a falta de formação em sociologia e história, ampliando as desigualdades na sociedade com o favorecimento da ignorância da população sobre assuntos fundamentais para concepção humanitária. Isso levará para a margem da margem as mulheres e mais ainda as mulheres negras, que serão abandonadas à própria sorte ao serem impedidas de acessar o ensino superior por falta de formação adequada no ensino médio.
Além disso, é importante destacar que a Lei de Bases e Diretrizes da Educação, Lei Nº 9.394/1996, é uma conquista da sociedade brasileira e deve ser valorizada. Essa lei, resultado de amplo debate e reflexão de educadores, especialistas e da sociedade em geral, representa um importante instrumento para garantir uma educação de qualidade e equitativa para todos. Ela prevê valorização do profissional da educação escolar, igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, consideração com a diversidade étnico-racial, respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva. Pontos que não têm sido observados no novo ensino médio.
A verdadeira revolução no ensino se deu com a implementação da lei de cotas e com a criação dos institutos federais, pois essas iniciativas promovem a inclusão social e a educação profissionalizante, ao contrário do novo ensino médio imposto apenas para escolas públicas, que não aborda questões estruturais do sistema educacional.
Dessa forma, a revogação do novo ensino médio é necessária para garantir que a educação no Brasil seja um direito para todos e todas e não um privilégio de poucos. É preciso garantir uma formação crítica e cidadã, que promova a igualdade, a diversidade e a equidade, e que esteja em consonância com as necessidades da sociedade brasileira.
Reginete Bispo é deputada federal (PT-RS), suplente do senador Paulo Paim, sócia fundadora do Instituto Akanni, integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e integra a Coalizão Negra Por Direitos