Durante debate na Comissão Geral da Câmara que abordou, nesta quarta-feira (1º), a política energética e o desenvolvimento social e econômico, palestrantes demonstraram preocupação com a crise energética, os impactos da privatização da Eletrobras, com a política de preços de derivados de petróleo praticados pela Petrobras e, principalmente, a venda de ativos e os caminhos delineados para a privatização da estatal.
Para eles, um projeto de nação e o desenvolvimento brasileiro passa, essencialmente, pelo entendimento do que representa esse setor para o País. O debate foi iniciativa do deputado Zé Neto (PT-BA).
“Qual Brasil nós queremos? Que energia nós vamos ter lá no futuro? E como vamos manter este País de pé, com essa política energética equivocada que, infelizmente, vem trazendo ao Brasil graves problemas?”, questionou Zé Neto.
O parlamentar desafiou aqueles que têm uma visão contrária, a mostrar qual é o modelo que defendem para o País e o que se alcançou com o modelo adotado atualmente pelo governo Bolsonaro.
“Que digam o que mudou e o que melhorou com a entrega do gás, que hoje está três vezes mais caro. O que melhorou para o povo brasileiro com a Petrobras tendo mais lucro? Ah, o lucro é importante, mas não criamos uma empresa só para ter lucro. É também para ter lucro, mas, fundamentalmente, para ter o seu papel estratégico no desenvolvimento do País. É isso que é fundamental nós resgatarmos”, afirmou o propositor do debate.
Segundo o parlamentar baiano, para agravar ainda mais a situação energética, o Brasil vive em constantes ameaças de racionamento de energia elétrica por falta de planejamento governamental. Ele relatou que por meses os reservatórios brasileiros já estavam em condições de fornecer energia elétrica nas hidrelétricas, mas que as termelétricas continuavam a funcionar, em situação totalmente anacrônica. “E no Brasil inteiro vimos as termoelétricas funcionando para suprir energia elétrica quando havia energia sobrando”, denunciou.
De acordo com Zé Neto, todos os elementos apontam para uma situação de descontrole, de falta de transparência e revelam a necessidade de se debruçar nesse tema. “Quando eu falo do setor energético, falo da energia, que é responsável pelo desenvolvimento das nações”, reafirmou.
Retomada de desenvolvimento
Sobre a política energética do País, o líder do PT na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (MG), disse que é um tema relevante para a retomada do desenvolvimento no Brasil. Para ele, talvez seja o tema mais importante, porque vai definir o futuro da economia brasileira. “É uma ignorância, é um grave erro subestimar o impacto de uma política em relação ao setor de energia, primeiro porque é uma questão de soberania nacional”, pontuou.
Lopes avaliou que um País do tamanho do Brasil precisa ter uma política de desenvolvimento local e de produção de alguns componentes estratégicos para setores que reafirmam o projeto de soberania. “Estou me referindo aos derivados de uma cadeia superlonga que tem impacto na economia real, na economia do dia a dia, na economia do povo, que são os derivados de petróleo, os derivados de combustíveis no País”, esclareceu o líder petista.
Reginaldo Lopes disse ainda que se o projeto de lei (PL 3677/21) que trata da transparência e as regras de composição de preços de derivados de petróleo praticados pela Petrobras for aprovado, “nós vamos provar que produzimos petróleo 60% mais barato e que estão roubando das pessoas, roubando das famílias que têm que comprar o botijão de gás a R$ 150, roubando os caminhoneiros no óleo diesel, roubando de toda a sociedade brasileira, que, de alguma maneira, é impactada por essa política desastrosa fazendo a inflação, quebrando o Brasil”.
Desmonte do sistema energético
Em sua exposição, Mahatma Ramos dos Santos, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível Zé Eduardo Dutra (INEEP) e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), observou que existe uma política de desmonte do caráter integrado do sistema energético nacional.
“Estamos vendo esse debate sobre a privatização tanto da Eletrobras quanto da Petrobras, que significa, em síntese, que o Estado brasileiro está abrindo mão em benefício de interesses do capital privado nacional e internacional, da prerrogativa de ser um ator ativo no planejamento, formulação e implementação de uma política energética soberana, o que coloca em risco tanto o acesso universal à energia quanto a construção de mercados de energias mais justos”, destacou o pesquisador.
Mahatma Ramos acrescentou que na opinião do INEEP, é uma necessidade, uma emergência a construção de soluções planejadas, coletivas e justas para o enfrentamento desses processos de transformações no paradigma climático, energético e geopolítico nacional e global. “Então, pensar o modelo de transição energética deve ser uma tarefa do governo federal. Ele tem um papel importante, assim como o desta Casa Legislativa, e deve ir para além das propostas ou da promoção de descarbonização da matriz energética global”, defendeu.
Padrão de desenvolvimento
A economista e professora da Escola de Química da UFRJ Clarice Ferraz saudou a iniciativa do debate. Para ela, é urgente que se discuta a estruturação do setor de energia. “Esse assunto é fundamental, porque o acesso à energia é o que determina o nosso padrão de desenvolvimento, diante de uma crise energética mundial em curso”.
“Portanto, é preciso que nós cuidemos dessa questão e entendamos quais são as nossas dificuldades e o que está acontecendo aqui, no sentido de se evitar o desmonte e, sobretudo, de se alinhar com esse objetivo de reconquistar justamente o domínio sobre o controle dos recursos energéticos, como foi feito à época da criação da Eletrobras e da Petrobras”, recomendou a economista.
Política de Estado
Para o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, o setor energético deveria ser tratado como política de Estado e não como política de Governo, que passa de quatro em quatro anos. “Infelizmente, assistimos a essas devastações com relação a esse setor tão importante para todo e qualquer país”, sustentou.
Ele lembrou que o golpe de 2016 contra a ex-presidenta Dilma Rousseff teve como pilar central o “acesso a essas gigantescas reservas de petróleo do pré-sal, o acesso aos grandes ativos do setor energético brasileiro e o acesso ao sexto maior mercado consumidor de combustíveis do mundo, e nós tivemos uma série de retrocessos”.
Deyvid Bacelar contou que depois dos sete leilões realizados pós-2016, metade de tudo aquilo que foi leiloado “está nas mãos de empresas petrolíferas, principalmente estadunidenses e chinesas, que se voltaram para o Atlântico Sul, especialmente para a nossa região, para o Polígono do Pré-Sal, que faz do Brasil hoje, a terceira maior reserva de petróleo do mundo, somente atrás da Venezuela e da Arábia Saudita”.
Entreguismo governamental
Já o Líder da Minoria na Câmara, deputado Alencar Santana Braga (PT-SP), reforçou o entendimento de que o governo Bolsonaro de soberano não tem nada e de nacionalista muito menos, “pelo contrário, é um governo traiçoeiro da nossa Pátria, do nosso povo, dos nossos interesses e submisso às vontades outras e não ao interesse nacional”.
“E, no Brasil, o que o governo quer fazer, neste momento, um ataque direto ao Estado brasileiro, um ataque direto ao nosso povo, é justamente privatizar, a Eletrobras, entregando, literalmente entregando, sem qualquer razão lógica. Entregar por um valor menor do que ela poderia valer, demonstrando aí a traição ao nosso povo”, criticou Alencar Santana.
Para o líder da Minoria, além de entregar a Petrobras, como consequência, pode gerar também outro prejuízo a Furnas, quer dizer, “o Estado brasileiro sendo surrupiado, o Estado brasileiro tendo seu dinheiro, o nosso patrimônio sendo simplesmente jogado fora”.
“Isso é para atender alguns interesses econômicos, alguns interesses privados e interesses internacionais. Da mesma maneira, acontece com a Petrobras, que não faz uma política pensando no povo brasileiro, no nosso desenvolvimento”, lamentou.
Também participaram do debate, os parlamentares Joseildo Ramos (PT-BA), João Daniel (PT-SE), Waldenor Pereira (PT-BA) e Afonso Florence (PT-BA).
Benildes Rodrigues