A diligência parlamentar a Roraima aconteceu entre os dias 11 e 12 de maio e foi provocada por requerimento do presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, Humberto Costa (PT-PE). Junto com ele, viajaram outros congressistas, homens e mulheres, inclusive representantes da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas. Na capital, Boa Vista, a comitiva ouviu dezenas de depoimentos, de indigenistas a gestores de órgãos federais e estaduais responsáveis pela proteção das terras e do povo Yanomami. O grupo ainda recebe dados enviados por órgãos públicos e nos próximos dias um relatório conjunto será apresentado ao Congresso, com uma série de medidas recomendadas ao poder público. Tudo para tentar reverter o que o senador classifica como estado de total abandono.
“O que há é uma decisão política do governo federal, na minha avaliação, de liberar de modo geral o acesso de garimpeiros às terras indígenas, de intencionalmente não proteger os indígenas e descumprir o que dizem a Constituição e as leis de nosso país, além de decisões judiciais que já foram tomadas. O desaparelhamento dos órgãos de fiscalização salta aos olhos”, relatou Humberto Costa, que denuncia a falta de instrumentos para fiscalização.
“Temos lá uma total ausência de aviões que possam servir para as operações, tanto da Polícia Federal quanto do Ibama, helicópteros que são essenciais naquela área, a ausência de um trabalho dentro das comunidades indígenas para que elas possam estar protegidas contra ao assédio negativo dos garimpeiros”, listou o senador.
A postura do governo federal frente ao território yanomami estará no centro do relatório. A começar pelos agentes responsáveis pelas ações, afirmou o presidente da CDH. “Eu não tenho como fazer julgamento quanto à capacidade de gestão, mas são pessoas que nada têm a ver com esses temas específicos e que exigem uma expertise, um conhecimento teórico e prático para que se possa efetivamente tocar essas ações à frente. São pessoas que não têm formação profissional, tanto na área da Funai, do Ibama, todos os órgãos que têm essa responsabilidade, excetuando-se a Polícia Federal”.
Inoperância ou conivência?
O cenário construído pelos depoimentos é de invasão crescente dos territórios indígenas por parte do garimpo ilegal, com todas as consequências trágicas para a vida yanomami: aliciamento, crimes sexuais, circulação intensa de bebidas alcoólicas e outras drogas, intoxicação dos rios etc. A suspeita é que até o crime organizado, comandado de dentro dos presídios, estaria por trás dessas invasões em busca de ouro. Humberto Costa avalia que os crimes são movidos por uma teia de interesses, que conta com a inoperância do governo federal.
“Há na verdade uma total conivência, quando não um apoio, e isso tem respaldo da população para que haja o garimpo ilegal. Eles criam – os políticos, os empresários, os próprios garimpeiros e uma parte da população – uma expectativa de algo que não vai acontecer. Eles dizem que estão liberando que os garimpeiros entrem porque em breve virá uma legislação federal que vai legalizar o garimpo e, com isso, acabar com os conflitos, quando na verdade essa tolerância com a ilegalidade é totalmente inaceitável, é simplesmente ilegal garimpar em terras indígenas”, analisa.
O problema social na região, que alimenta essa cadeia criminosa, não ficará de fora do relatório, garante Humberto. “Há um problema social? Há, mas temos que resolver de outra maneira. Não pode ser com uma solução que prejudique os indígenas e desrespeite a lei. As pessoas que estão lá no garimpo, diretamente, são pessoas humildes, mas por trás dessa estrutura há grandes empresários, há o crime organizado, inclusive, há um processo de evasão de divisas gigantesco, então eu não consigo ver que aspecto positivo pode ter na liberação informal do garimpo naquela área”.
Povos isolados
O quadro de abandono é semelhante em terras que ainda não foram demarcadas e onde povos originários se seguram em portarias de restrição de uso da área. É o caso de quatro dos seis territórios com presença de indígenas isolados na Amazônia. Entre eles, o dos Ituna-Itatá, no sul do Pará, alvo da mineradora canadense Belo Sun, que, contando com o lobby de ex-colega de farda do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, obteve acesso a reuniões no Palácio do Planalto.
Até o início do atual governo, esses documentos que servem para bloquear a entrada de invasores nas terras indígenas valiam por três anos. Com Bolsonaro, a Funai passou a prorrogá-los por apenas seis meses, o que coloca em permanente risco a proteção desses territórios até que sejam demarcados, o que, com Bolsonaro, claro, não acontece.
O risco maior dessas portarias caducarem contraria decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, por meio do ministro Luís Roberto Barroso, determinou em 2020 que a Funai tomasse medidas para proteção dos indígenas isolados em todo país. Na época, o ministro teve que dizer o óbvio: afastar a proteção territorial em terras não homologadas sinaliza a invasores que não haverá combate a irregularidades e cria um “convite” à prática de ilícitos.
A semelhança na forma de agir do governo no sul paraense, onde estão os Ituna-Itatá, e junto à fronteira com a Venezuela, habitada pelos yanomamis, não é uma coincidência, explica Humberto Costa: “Enquanto esse governo Bolsonaro estiver à frente dos destinos do Brasil, haverá permanentemente um processo de desrespeito aos povos originários, à legislação e à Constituição.”
PT Senado