“No Brasil, há mais casas sem gente do que gente sem casa”. A expressão não está completamente correta, mas não deve ser ignorada, já que transformar imóveis ociosos em residências populares é uma proposta relevante para enfrentar o déficit habitacional. As políticas adotadas pelos governos Bolsonaro e Dória, no entanto, caminham em outra direção.
Em São Paulo, por exemplo, há um déficit habitacional superior a 400 mil unidades, enquanto a cidade tem 290 mil casas sem moradores. Se somássemos a estes domicílios os prédios não residenciais abandonados (desde que reúnam condições sanitárias e estruturais), talvez chegássemos ao número de unidades necessário. A equação parece simples, mas não é.
Há uma ignorância notável por parte dos governos federal e do estado de São Paulo ao direito fundamental à moradia. Assim como uma parte do judiciário brasileiro, o presidente da República e o governador do estado mais rico do País, estão mais comprometidos com a garantia de outro direito: à propriedade. Este também é reconhecido como direito fundamental, mas exige uma condicionante: o imóvel deve cumprir função social.
Em todas grandes cidades brasileiras há centenas de imóveis em situação irregular e de abandono, descumprindo sua função social. Os proprietários de parte destes imóveis esperam que a região onde estão localizados se valorize, ou que alguma mudança nas leis de zoneamento os beneficie, para lucrarem em cima da degradação social e ambiental que os próprios imóveis abandonados provocam.
Alguns destes imóveis são ocupados por pessoas sem teto, famílias em busca de sobrevivência, que às vezes encontram abrigo em algum acampamento ou ocupação. Tão logo um pedido de reintegração de posse, feito pelo proprietário infrator, chega ao judiciário, este expede uma ordem de cumprimento do mandato, executado pelo Estado, através da polícia.
A história se repete há muitos anos, por todo País. Nos casos mais recentes, como no acampamento Marielle Vive, em Valinhos (SP), o absurdo é maior, pois além de ignorar o direito fundamental à moradia, o judiciário, os governos e a polícia, também agem contra a lei aprovada no Congresso Nacional, que proíbe a remoção de famílias durante a pandemia. Manobram as leis a favor de quem menos precisa.
Deputado Nilto Tatto (PT-SP) é deputado federal
Publicado originalmente na Gazeta de S.Paulo