Auxílio Brasil é Bolsa Eleição improvisado e põe em risco futuro do programa

Foto: Reprodução Site do PT

Foi grande a confusão com a publicação de um diário oficial extraordinário na sexta à noite (5): governo Bolsonaro reajustou o Programa Bolsa Família.

Vale tentar explicar mais esse golpe.

Depois de três anos esvaziando o Bolsa Família, Bolsonaro publicou em agosto uma MP-1061 com um projeto (Auxílio Brasil) mal desenhado, insustentável e sem fonte de financiamento. De uma só tacada feriu a LRF, a CF/88, a lei eleitoral e o bom senso e colocou em risco 39 milhões de famílias dentre as mais pobres.

Conseguiu um feito: o Bolsa Família foi finalmente reconhecido e aclamado por 10 entre 10 economistas de todos os matizes e por ampla gama de colunistas. Reconhecimento póstumo, como de praxe ocorre com nossos heróis e heroínas que não estão no retrato.

Além de ineficaz a proposta carecia de duas soluções básicas:

  • Como programa novo, de caráter permanente, não tinha fonte de compensação, conforme exigido pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal);
  • Não cabia no teto de gastos, em montante necessário para atender a seus fins eleitoreiros. Teto que o liberalismo primitivo que rege o Ministério da Economia sempre defendeu, mas que agora precisa contornar para atender a interesses eleitorais e fisiológicos. Mas bom senso e leis não são o forte deste governo, por isso ele se manteve fiel à agenda genocida e de desconstrução de instrumentos estatais.

Aí começa o improviso. Sem qualquer estudo ou conta básica de padaria definiram uma estratégia de dividir um Bolsa Eleição em dois pedaços.

Um PAB (Programa Auxílio Brasil) desidratado que caberia na lei orçamentária anual e que teria um arcabouço pretensamente permanente, sem qualquer acréscimo em relação aos valores do Bolsa Família. E um valor provisório que dependeria da PEC dos Precatórios e que complementaria o PAB até os prometidos R$ 400, que seriam pagos a 17 milhões de famílias.

Mas mesmo este PAB desidratado não para em pé, pois não se encaixa na regra de expansão da despesa continuada da LRF, que exige compensação por meio de aumento de receita ou redução de despesa. Para contornar a regra, o governo ampliou os valores do Bolsa Família, de modo a aparentar que o Auxílio Brasil não configura expansão de gastos.

É notoriamente uma burla usar a expansão do Bolsa Família como espaço para o Auxílio Brasil, ainda mais que não pagaram nenhum mês do Programa Bolsa Família expandido com os novos valores. A expansão durou menos de 48 horas e sequer foi consumada.

Em seguida, em 09/11/2021, na esteira da pretensa legalização pela “ampliação fake” do Programa Bolsa Família, foi publicado decreto definindo numa conta de chegada os valores para o Auxílio Brasil, 3 meses depois da MP 1061 ter sido enviada ao Congresso Nacional. A manobra reforça o sentimento geral de oportunismo e improviso.

Com os novos valores, a linha de extrema pobreza passa de R$ 89 para ínfimos R$100. Não tentaram sequer alcançar a já obsoleta referência de US$ 1,25 ao dia (R$ 126 mensais), dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Atualmente, a linha de extrema pobreza para países em desenvolvimento seria de no mínimo US$ 1,9 em paridade de poder de compra (R$ 172 mensais). De acordo com estudo recente publicado pelo Banco Mundial, a linha de extrema pobreza no Brasil deveria estar em torno de R$ 300.

Por sua vez, o benefício médio do Programa Auxílio Brasil passa de R$ 189 para R$ 217 por família. Considerando que em média são 3 pessoas nas famílias do Programa Bolsa Família, este valor equivale a R$2,4 por pessoa por dia.

A proposta do governo é absurda em todos os sentidos. É equivocada no mérito, pois o desenho do projeto é burocrático, complexo e disruptivo, gerando deseconomias, e é insustentável, pois, para contornar regras básicas de finanças públicas, leva a um programa cujos valores adicionais expiram em dezembro de 2022, criando-se a possibilidade concreta de redução da renda dos mais vulneráveis.

Tal cenário é ainda mais provável diante do fato de que a nova fórmula de cálculo do teto de gastos, proposta pela PEC 23/2021, sintomaticamente, amplia o espaço fiscal em 2022, mas reduz o limite de despesas em cerca de R$ 20 bilhões em 2023. O quadro pode se agravar diante do calote dos precatórios, que ampliará o passivo do governo para os próximos anos, com forte risco de o Supremo Tribunal Federal determinar os pagamentos em atraso.

Além disso, o Auxílio Brasil sacrifica 20 milhões de famílias que vinham recebendo o Auxílio Emergencial e que serão excluídas abruptamente sem sequer uma orientação para a transição rumo ao caos.

Este improviso do Bolsonaro explicitou o que já vínhamos afirmando: o reajuste do Programa Bolsa Família é possível, seguro, funcional e a única solução que perdura para além das eleições.

Na iminência de um apagão de renda em meio à terrível situação de fome e pobreza, o mais seguro seria:

  • Prorrogar o auxílio emergencial para o conjunto das famílias que vinham recebendo, pelo prazo de 4 meses, para viabilizar uma transição humanizada e segura;
  • Neste prazo de 4 meses garantir o cadastramento das famílias que estavam recebendo o Auxílio Emergencial e permanecem fora do CadUnico. Esta medida é necessária tendo em conta os milhões de famílias que se cadastraram pelo aplicativo e que estão sendo excluídas mesmo encontrando-se em pobreza ou extrema pobreza e que deveriam ser acolhidas na proteção de renda;
  • Revogar a MP 1061 recuperando o Programa Bolsa Família, única alternativa que permitirá continuidade para além de 2022, oferecendo segurança às famílias pobres e que poderá e deverá ser reajustado dentro das regras vigentes.

Para tanto, mesmo sob a lógica fiscalista, bastaria o governo renovar a previsão constitucional de não contabilizar nas regras fiscais (teto, meta de resultado primário e regra de ouro) o volume de recursos para garantir a expansão da transferência de renda.

Mas nada disso ocorrerá. Afinal, o Auxílio Brasil não pretende mitigar o caos social gestado pelo governo Bolsonaro, antes constituindo mais um instrumento para destruição das bases institucionais da proteção social no Brasil, objetivo central do projeto autoritário em curso.

Tereza Campello é economista, titular da Cátedra Josué de Castro/USP, ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2011-2016).

Bruno Moretti é economista, mestre em Economia pela UFRJ e doutor em Sociologia pela UnB.

Agência PT de Noticia

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