A maior polarização que existe no Brasil de hoje é a que confronta o clube dos bilionários, que ganhou 40 novos sócios durante a pandemia, com a fila do osso – que simboliza o estado de miséria em que boa parte da população se encontra. As pesquisas e as ruas são claras em demonstrar que cerca de metade da população coexiste em situação de insegurança alimentar leve, moderada e até grave. Neste último caso, 9% da população passando fome mesmo. São cerca de 20 milhões de pessoas.
As causas desta situação calamitosa são complexas. Mesmo assim é possível identificar a raiz do problema: a combinação da natureza concentradora do sistema econômico com a ineficácia das ações do governo federal.
Em todo o mundo desenvolvido, o Estado – por meio de diversas políticas – atua no sentido de minorar a natureza concentradora de renda do sistema econômico. A ação distributiva do Estado pode ser realizada por meio do sistema tributário e também de políticas econômicas que gerem empregos e de políticas sociais nas áreas da educação, saúde e assistência social. Nada disso está sendo feito no Brasil.
Na contramão do que precisa ser feito para reduzir a desigualdade econômica e social, no Brasil o sistema tributário ajuda a concentrar renda ao onerar principalmente o consumo e ao aliviar a carga sobre a renda e sobre as grandes fortunas, que são isentas de impostos. Além disso, o governo federal desmontou a rede de proteção social, como bem atesta o fim do Bolsa Família e o enfraquecimento dos demais programas que lhe davam sustentação.
Lugar de destaque na geração de bilionários ocupa o sistema financeiro, que deixou de ser sócio minoritário do Brasil para ser sócio majoritário. A grande prova disso é a proposta de Orçamento da União para 2022. O PLOA 2022 enviado pelo governo Bolsonaro estima o orçamento fiscal e da seguridade social em R$ 4,6 trilhões, ao mesmo tempo em que destina R$ 2,4 trilhões para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.
Isto mesmo. De cada R$ 100 do orçamento da União, R$ 53 serão destinados ao sistema financeiro. O rabo está abanando o cachorro, ou seja, é o sistema financeiro está governando o Brasil, como bem o atestam as palavras e as gargalhadas do banqueiro André Esteves e seus sócios, em animada conversa em que esclarece que é consultado pelas autoridades políticas e econômicas do Brasil antes de tomarem suas decisões.
Num quadro como este caminhamos para o esgarçamento do tecido social, que poderá tornar impossível a convivência civilizada em nosso País. Cabe ao governo federal adotar políticas que mitiguem a natureza predatória do sistema econômico. Até bilionários europeus e norte-americanos já perceberam isso em seus países e como resultado publicaram documento defendendo o aumento da tributação sobre os mais ricos.
Os caminhos são bem definidos, resta trilhá-los: a) reforma tributária que diminua a carga sobre o consumo, sobre a folha de salários e sobre a produção, compensando com o aumento da carga sobre a renda, sobre as grandes fortunas e sobre as grandes heranças; b) melhorias da qualidade dos serviços públicos; c) políticas sociais focadas nos segmentos mais frágeis da sociedade.
Difícil imaginar que um presidente da república que boicotou o combate à pandemia seja capaz de liderar um processo como o acima mencionado. Voltamos, portanto, para o universo da política: o Brasil precisa decidir sobre os caminhos que deseja trilhar e sobre quem deve conduzir a caminhada.
Merlong Solano é deputado federal (PT-PI)