No governo talibã de 1996 a 2001, ano em que se deu a invasão norte-americana, o fundamentalismo religioso era extremamente radical, sobretudo para as mulheres. Elas foram proibidas de trabalhar, de estudar e forçadas a casar a partir dos 15 anos.
Em nome de um estado teocrático radical, as mulheres passaram a ser subordinadas e oprimidas a uma suposta autoridade dos homens. Essa situação ameaça voltar agora, apesar das mudanças havidas no movimento Taleban.
Infelizmente, a derrota dos Estados Unidos não garante uma perspectiva democrática para o povo afegão, em especial para as mulheres.
O restabelecimento do governo teocrático dos talibãs está preocupando tanto o mundo progressista e mobiliza as mulheres que lutam por seus direitos e contra o machismo.
A defesa dos direitos humanos e da libertação das mulheres são causas universais e, no Brasil, se apresentam como uma desesperada luta contra a barbárie bolsonarista.
Mas não podemos glamourizar a ocupação norte-americana, que produziu mais de 180 mil mortos e 11 milhões de refugiados.
Apesar de usar a defesa da democracia, dos direitos humanos e das mulheres como justificativa para invadir o Afeganistão, o governo dos EUA estava mais interessado na sua estratégica localização no coração da Ásia Central do que na mudança da vida do povo.
Em vinte anos de ocupação, a situação social piorou e a condição da mulher pouco mudou. Antes da guerra, o país tinha 38,3% de sua população vivendo na pobreza, índice que pulou para 70% durante a ocupação.
Em relação ao novo governo, não há outro caminho a não ser condicionar o seu reconhecimento internacional ao respeito dos direitos humanos e das mulheres.
Corajosamente, as afegãs vêm se manifestando em defesa de seu direito ao trabalho e ao estudo.
A comunidade internacional deve apoiar esse movimento das mulheres afegãs e exigir do vitorioso governo Taleban o respeito ao direito das mulheres de estudar, de trabalhar e de não ser obrigada a casar contra a sua vontade, mesmo sem precisar negar seus princípios religiosos. Isso já ocorre, por exemplo, no Irã, onde é grande o contingente de mulheres estudando e trabalhando.
As mulheres brasileiras que lutam por seus direitos entendem perfeitamente o drama das afegãs, pois também aqui enfrentamos um tipo de “talebanismo”, o bolsonarista, que mistura fundamentalismo religioso e negação do Estado laico, da cultura, ciência e educação, com racismo e discriminação de minorias sexuais.
A luta contra a barbárie Taleban, no Afeganistão, não pode estar desligada da nossa luta contra a barbárie bolsonarista. Quanto mais avançarmos na defesa da democracia e contra o machismo, mais nosso País pode contribuir na ONU para uma integração minimamente civilizada do Afeganistão na ordem internacional.
Benedita da Silva, é deputada federal (RJ)
Publicado originalmente na Carta Capital