Por algumas vezes denunciei neste espaço a forma errática como o governo federal tratou a obtenção de vacinas contra a Covid. Apesar do consenso mundial da necessidade e da eficácia da imunização, o presidente Jair Bolsonaro preferiu semear a descrença, afirmando que não faria parte de nenhuma campanha de vacinação. Chegou a ser porta-voz de absurdas teorias da conspiração em relação a efeitos colaterais de vacinados, como na sua frase: “se você virar um jacaré, é um problema seu”. Depois dessa, o réptil acabou virando mascote da ciência e do bom senso.
Enquanto o Instituto Butantan, financiado pelo governo paulista, celebrou a parceria com o laboratório chinês Sinovac para a produção da Coronavac, Bolsonaro ignorava (como comprovam as dezenas de e-mails sem resposta) a insistência do laboratório Pfizer em oferecer 70 milhões de doses ao país. Outras iniciativas foram boicotadas, como o impedimento da importação pelo Consórcio Nordeste da vacina Sputnik, produzida pelo Fundo Russo. Nesse caso, com a inexplicável cumplicidade de técnicos da Anvisa.
Em abril de 2020, foi lançada uma Aliança Mundial de Vacinas, que ofereceu grande quantidade de imunizantes ao Brasil. Mas o governo preferiu encomendar a quantidade mínima prevista pelo consórcio, correspondente a apenas 10% da população – mesmo assim, após muita pressão.
Mais grave ainda foi o desprezo pela capacidade da produção da vacina nacional. O Brasil é o único país do Brics que não tem seu próprio imunizante, apesar da plena capacidade acumulada pelo nosso sistema de saúde e pesquisa.
Por aqui já se produzem 25 tipos de vacinas, que são distribuídas gratuitamente e exportadas para mais de 70 países. Também no caso da Covid, poderíamos já ser autossuficientes para a demanda nacional e ainda entrar na corrida mundial dos países exportadores.
Até alguns dias atrás, todo esse histórico era atribuído ao posicionamento negacionista do presidente da República e seu governo. Até tornarem-se públicas as denúncias sobre o superfaturamento na compra da vacina indiana Covaxin, apresentadas pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda. Elas mostraram outro lado da errática atuação do governo na compra de vacinas.
O motivo principal pode ser um esquema de corrupção na importação governamental dos imunizantes.
Neste domingo, mais uma compra suspeita chamou a atenção da CPI do Senado, que identificou possíveis irregularidades na aquisição da vacina chinesa CanSino, que teve compra intermediada pela Belcher Farmacêutica, empresa investigada pela Polícia Federal e apoiada pelos empresários bolsonaristas Luciano Hang e Carlos Wizard, este último já enrolado na CPI do Senado.
Há fatos, ações e omissões que precisam ser esclarecidos e supostos crimes que merecem responsabilização. Elucidar este caso é fundamental, pois a postura do governo está diretamente ligada ao fato de o Brasil ter o maior número de mortes por Covid. Enquanto temos menos de 12% de vacinados com duas doses em território nacional, já se foram 514 mil vidas.
Com a grave denúncia apresentada pelo deputado Luis Miranda, a Câmara Federal tem a responsabilidade de abrir uma investigação específica sobre imunizantes. Neste sentido, protocolei nesta segunda-feira um requerimento para criação da “CPI da Vacina”. Agora começo a recolher assinaturas para ela ser instalada. O Brasil e o mundo precisam e merecem conhecer a verdade.
Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo
Reginaldo Lopes é deputado federal (PT-MG)