Diante da crise econômica e sanitária em curso, com mais de 266 mil óbitos pela covid-19 e queda do PIB de 4,1% em 2020, o governo reforça seu projeto de destruição de instrumentos estatais capazes de combater a pandemia e reconstruir a economia.
Sob o argumento de busca do equilíbrio orçamentário, a PEC 186, aprovada pelo Senado Federal, mistura deliberadamente suspensão de regras fiscais para retomada do auxílio emergencial e endurecimento do regime fiscal.
Trata-se de uma reforma estrutural do arcabouço fiscal, acelerando o desmonte do Estado e a redução de serviços públicos induzida pelo teto de gasto.
Diante da sobreposição de regras de controle fiscal, o orçamento público não será capaz de contribuir para a estabilização econômica e o financiamento das políticas sociais.
Sob o argumento de busca do equilíbrio orçamentário, a PEC 186, aprovada pelo Senado Federal, mistura deliberadamente suspensão de regras fiscais para retomada do auxílio emergencial e endurecimento do regime fiscal.
Para a União, além das regras fiscais já existentes (teto de gasto, regra de ouro e meta de resultado primário), a proposta determina que passaria a valer um “subteto do teto”, ativando gatilhos da Emenda Constitucional nº 95, quando a despesa obrigatória superar 95% da despesa sujeita ao teto
Em particular, a desvinculação de receitas públicas ilustra os propósitos da PEC 186.
O trabalho das oposições garantiu relevantes exceções, mas fundos estratégicos ao desenvolvimento do país perderão receitas, inviabilizando diversas políticas públicas.
Por exemplo, o Fundo Social destina a arrecadação oriunda da exploração do pré-sal para a educação (ao menos, 50% do fundo) e outras políticas, como saúde, ciência e tecnologia e meio-ambiente.
Diante das pressões do teto de gasto pela redução da despesa, o mais provável é que as receitas do pré-sal sejam canalizadas para o resultado primário, impedindo que a renda petrolífera seja utilizada em favor do desenvolvimento econômico e social do país, conforme pensado no modelo de partilha.
Vejamos a receita específica do pré-sal, o excedente em óleo da União.
Trata-se da parcela do óleo bruto que as empresas petrolíferas destinam ao governo federal.
As previsões oficiais, considerando apenas as áreas já licitadas, apontam que, até 2032, o Fundo Social receberia R$ 422 bilhões relativos ao óleo bruto [1].
Caso metade deste valor fosse aplicada em educação (conforme a regra geral do Fundo Social), a perda para o setor seria de R$ 211 bilhões em dez anos.
Diante das pressões do teto de gasto pela redução da despesa, o mais provável é que as receitas do pré-sal sejam canalizadas para o resultado primário, impedindo que a renda petrolífera seja utilizada em favor do desenvolvimento econômico e social do país, conforme pensado no modelo de partilha.
O Congresso Nacional não pode ficar de costas para a sociedade, particularmente em um momento de crise profunda.
O Congresso Nacional precisa evitar o desmonte das instituições públicas, aprovando apenas a retomada do auxílio emergencial e autorizando despesas para o combate à pandemia e a seus efeitos econômicos e sociais.
Nos termos aprovados no Senado, a PEC 186 será um duro golpe contra a educação pública e as demais políticas que podem ser financiadas pelo Fundo Social.
*Bruno Moretti é economista e assessor no Senado Federal.
Carlos Ocké é economista e autor do livro “ SUS: o desafio de ser único” (Ed. Fiocruz, 2012).
[1] Disponível em: https://www.presalpetroleo.gov.br/ppsa/conteudo/ebook_25_11.pdf.
Embora os índices de excedente em óleo destinados à União sejam estabelecidos nos leilões, as estimativas de valores nominais variam em função do preço do barril de petróleo e do câmbio.
Artigo originalmente publicado em VIOMUNDO.