ONGs acusam governo de “lentidão” e “prevaricação” no trato do incêndio do Pantanal

Organizações não governamentais (ONGs) que atuam na linha de frente no combate ao incêndio no Pantanal participaram, nesta sexta-feira (2), de audiência pública da comissão externa que acompanha o enfrentamento das queimadas no Brasil. Nos relatos, eles denunciaram a lentidão do governo, reclamaram de falta de recursos e classificaram a ausência do governo federal no trato do desastre ambiental de “prevaricação”. O colegiado é coordenado pela deputada Professora Rosa Neide (PT-MT).

Deputada Rosa Neide – Foto: Agência Câmara

“O governo hoje está prevaricando com a questão dos recursos. Existe dinheiro em caixa, não só de multas e outras questões, como também está em andamento o projeto GEF-Terrestre que atinge a biodiversidade da Caatinga, Pampa e Pantanal, com U$ 36 milhões disponíveis”, denunciou Laercio Machado de Sousa, presidente do Conselho Nacional da Reserva Biosfera do Pantanal e representante do Bioma Pantanal no Conselho Brasileiro Homem e Biosfera (Cobramab).

Segundo ele, esse montante, “é um recurso enorme que poderia ter sido aplicado, poderia estar lá nas linhas de atuação, programas e manejos de fogo” dos três biomas. O ativista ambiental disse ainda que esse recurso poderia ter sido usado desde 2018. “Há uma lentidão do governo, do Ministério do Meio Ambiente desde 2018 até agora. É aquele paquiderme (inteligência limitada) para dar um passo, e traz todo esse problema para gente”, criticou Laercio Machado.

O presidente do Conselho Nacional da Reserva Biosfera do Pantanal criticou também o fato de a justiça ter que intervir para barrar as ações nefastas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “A gente vive hoje o absurdo dos absurdos quando a justiça tem que nos proteger do governo, do ministro do Meio Ambiente”, lamentou Laercio Machado, se referindo ao fato de o Ministério Público ter sustado recentemente resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Leonardo Gomes, representante da SOS Pantanal e do Onçafari relatou que em alguns momentos se verificou linha de fogo por mais de 8 km. Segundo ele, sem avião, brigadista e recursos não se pode segurar fogo. “A gente pode tentar direcioná-lo, tentar conter ou torcer para que chova, mas não há recurso suficiente pra conter o fogo nessas proporções que nós vimos”, lamentou.

Representante da SOS Pantanal e do Onçafari, Leonardo Gomes

Desmonte

O secretário-geral da OAB-MT e representante do Grupo Amigos do Pantanal, Flávio José Ferreira, lembrou-se de que Mato Grosso é um estado rico, onde o agronegócio é potente e a economia pujante. Porém, segundo ele, é muito recurso na mão de pouca gente. “Talvez devêssemos começar a discutir uma forma de tributar de uma maneira maior esses negócios, para que isso fique por aqui e possa de alguma forma contribuir de uma maneira mais ampla”, defendeu.

Flávio Ferreira criticou o desmonte ambiental protagonizado pelo atual governo. “O que nós temos visto no governo federal é o desmonte da máquina que fiscaliza, a falta de uma política séria, de respeito ao meio ambiente e, a partir daí, isso desagua é em tudo”, frisou.

Na mesma linha, o secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), Herman Oliveira, apontou o retrocesso ambiental como um dos males pelos quais passa o País.

“Há quase dois anos nós tivemos um desmonte da política ambiental. Um desmonte – de certa forma eu diria – irresponsável, porque sem essa política os desastres ambientais não recebem as medidas preventivas, protetivas e ações emergenciais eficazes”, afirmou. Herman citou ainda que essa estrutura de proteção ambiental foi construída ao longo dos anos, juntamente com a participação das organizações não governamentais”, acrescentou.

Secretário Executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad, Herman Oliveira

Alerta

A coordenadora técnica do Instituto Homem Pantaneiro, Letícia Larcher, informou que o primeiro alerta foi dado aos órgãos públicos no dia 24 de janeiro, quando encaminhou um comunicado às autoridades sobre a questão do fogo na Serra do Amolar, que se situa em Corumbá (MS). “Isso significa que a temporada seca e o momento do fogo que deveria ser em agosto e setembro, na Serra do Amolar, chegou em fevereiro”, contou Leticia.

“Nossos braços para conter o fogo acabaram lá em março. Hoje temos 100 pessoas, entre colaboradores do instituto, brigadistas de órgãos governamentais e voluntários atuando na região, mas não vemos que horas o fogo vai acabar”, completou.

Para evitar catástrofe como essa que está ocorrendo no Pantanal, Letícia Larcher defende a unidade das ações, o trabalho em rede, em conjunto. “É o que pode evitar que o problema se agrave e que no próximo ano não haja tantas queimadas”, disse. Ela defendeu também a manutenção de brigadas permanentes, bem equipadas e capacitadas, para combater o fogo que se inicia rapidamente.

Coordenadora-Tecnica-do-Instituto-Homem-Pantaneiro-Leticia-Larcher.jpg

Legislação

A deputada Professora Rosa Neide apontou para a necessidade de o Congresso Nacional atualizar a legislação, expandido os limites do bioma. Ela lembrou que as nascentes dos principais rios pantaneiros estão localizadas no Planalto de Mato Grosso. “Atualmente elas estão desmatadas e queimadas. O plantio da monocultura tem avançado nessas áreas. A legislação precisa garantir a recuperação dessas nascentes e sua preservação permanente”, defendeu.

Rosa Neide defendeu ainda que o Congresso Nacional e a sociedade debatam os impactos que o plantio de soja, milho e algodão podem causar no Planalto Pantaneiro. “Nesse momento dramático de seca extrema, onde o Pantanal continua sendo devastado pelos incêndios, precisamos fazer esse debate. Precisamos ir a fundo para identificar e solucionar as causas dessa tragédia. Para isso, contamos com participação de todos que amam o Pantanal e também do trabalho da imprensa livre, que tem mostrado ao mundo o drama que estamos vivenciando no bioma” afirmou a deputada.

Ou Sales ou o Meio Ambiente

Ao se pronunciar, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) sentenciou: “Ou a gente tem Bolsonaro e Salles ou a gente tem o Pantanal. Aí, é importante que todos que defendem o Pantanal tenha consciência sobre isso. Aquilo que cabe aos parlamentares fazer, nós estamos fazendo”, disse Tatto.

Deputado Nilto Tatto

Protagonismo das ONGs

O presidente da Fundação de Apoio à Vida nos Trópicos (Ecotrópica), Ilvanio Martins, também acredita que o Estado retardou a assistência. “A situação era previsível, e todos poderiam ter contribuído para minimizar os efeitos”, observou. Para ele, ainda hoje falta integração entre as instituições para lidar com situações de calamidade.

Martins afirmou que as ONGs atuaram na linha de frente para garantir que mais pessoas fossem assistidas com água e alimentação nos últimos meses, além dos animais da região. Segundo ele, as ONGs chegam primeiro e alcançam mais pessoas do que o Estado.

O representante do Comitê Popular do Rio Paraguai, Isidoro Salomão também é da mesma opinião. “Em fevereiro já estávamos convivendo com a seca em nascentes”, disse.

Ele também apontou demora na chegada de bombeiros e governantes para lidar com os incêndios na região e ressaltou que o desmatamento favorece as queimadas. “Pedimos que os governantes se organizem”, afirmou, salientando a necessidade de que as populações locais sejam ouvidas.

Criminalização das ONG

O secretário-executivo do Formad, Herman Oliveira, disse que o momento é de criminalização das organizações não governamentais, que, conforme ele, atuam onde o governo e as empresas não chegam. Na sua avaliação, o desmonte da estrutura do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) tem contribuído para os recentes desastres ambientais no País. Ele cita o enfraquecimento da participação de representantes das organizações da sociedade civil no Sisnama como parte desse desmonte.

Manejo do fogo

Representante da SOS Pantanal e do Onçafari, Leonardo Gomes acredita que é preciso dar assessoria aos proprietários rurais e populações pantaneiras para que reaprendam a lidar com o fogo, já que não é mais possível usar as mesmas práticas de manejo de sempre, diante da previsão de seca por mais cinco ou seis anos na região.

“É preciso avançar no manejo do fogo, uma prática cultural que tem seu papel, mas tem hora e data para ser feita”, disse. Segundo ele, já há conhecimento disponível, mas é preciso capilarizar a informações. Além disso, ele pediu que o Poder Público fiscalize e puna quem fez o uso incorreto do fogo.

Agenda

A deputada Rosa Neide agradeceu a participação dos debatedores e assegurou que a comissão vai conversar sobre a legislação “de forma muito miudinha com vocês que vivem no Pantanal e que tem as respostas”. Ela disse ainda que todas as decisões serão construídas em conjunto com os atores que defendem o pantanal.

A parlamentar informou que a próxima reunião do colegiado será na sexta-feira (6), às 10h30. O tema a ser debatido é “Organizações governamentais: ações realizadas para combater queimadas no Pantanal”.

Os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Merlong Solano (PT-PI) também participaram do debate.

 

Benildes Rodrigues com informações da Agência Câmara

 

 

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