Medidas provisórias, mito e realidade

GuimaraesPlenario

José Guimarães*

Uma das virtudes da democracia é sua capacidade de se aperfeiçoar. Aqui no Brasil é geralmente aceito que estamos em democracia desde 1985 e que ela foi formalizada com a Constituição de 1988. Desde então o sistema democrático não deixou de se mover e de sofrer emendas e alterações para o bem ou para o mal, como é próprio de todo ser vivo.

A introdução na Constituição Federal do instrumento Medida Provisória (MP), artefato típico do parlamentarismo italiano, foi uma incongruência ou um mal entendido. Aconteceu que quem teve votos suficientes para aprovar a introdução do instituto MP na Constituição não teve votos suficientes para aprovar o sistema de governo que lhe corresponde, o parlamentarismo. A maioria dos constituintes optou pelo sistema presidencialista.

Nasceu assim um Frankenstein, paradoxalmente apoiado por muitos constituintes sinceramente comprometidos com a democracia, mas engabelados por miragens parlamentaristas, agitadas por adeptos dessa corrente. Eles terminaram por ajudar a criar um modelo que atribuía poderes excessivos ao Executivo e subtraía poderes do Congresso Nacional.

A experiência da utilização das MPs confirma essa percepção, embora ela só tenha ficado completamente clara sob o governo FHC (1995-2002). José Sarney só pôde emitir MPs, depois da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, mesmo assim precisou aguardar a regulamentação da utilização do instrumento e, naquela altura, só dispunha de pouco mais de um ano de um mandato declinante. Fernando Collor governou pouco mais de dois anos e meio, não chegou a se estabilizar, mesmo assim causou sérios danos utilizando MPs. Itamar Franco fez um governo de coalizão, quase de unidade nacional; foi, portanto, moderado até na utilização das MPs.

Foi sob FHC que a utilização de MPs, tal como estavam regulamentadas à época, mostrariam com clareza todo seu potencial destrutivo. Naquele período as edições e reedições de MPs careciam de limites, o presidente da República podia reeditar suas MPs a cada 30 dias, inclusive incluindo matérias novas e alterando redações anteriores. Aquilo era um petardo superior aos decretos leis da ditadura.

Essa frouxidão permitiu que, sob FHC, num período de oito anos, 5.400 MPs tenham sido editadas e reeditadas. Muitas dessas MPs em constante mutação nunca foram votadas e constituem hoje uma espécie de lixo tóxico do neoliberalismo perambulando por limbos e regiões inexploradas de nossa galáxia legal, embora já tenham produzido seus efeitos nefastos. As outras foram votadas de forma simbólica pelo Congresso Nacional praticamente sem debate. O resultado objetivo desse processo foi uma drástica redução do papel do Congresso Nacional no processo de tomadas de decisões da República até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32/2001, em 11 de setembro de 2001.

Essa emenda constitui hoje o artigo 62 da Constituição Federal que proibiu as reedições de Medidas Provisórias e estabeleceu uma extensa lista de temas que não podem ser tratados por MPs. Graças à emenda constitucional, duramente batalhada pelos partidos que então formavam a oposição, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram emitidas apenas 419 MPs. Já no governo da presidenta Dilma Rousseff as MPs emitidas somam apenas 96, até o dia 5 de junho último.

Mas cabe ressaltar uma diferença essencial: todas as MPs editadas por Lula e por Dilma tramitaram sob o rito estabelecido pela emenda nº 32 e foram discutidas pelo Congresso Nacional. Algumas foram rejeitadas, outras caducaram porque venceu o prazo da tramitação e outras foram aprovadas, quase sempre com alterações propostas por congressistas. Ou seja, de 2003 para cá o Congresso Nacional recuperou poderes sobre o processo legislativo.

Embora a Emenda Constitucional nº 32/2001 tenha melhorado significativamente o processo legislativo e tornado efetivo o poder do Congresso Nacional nesse campo, não se pode esperar o milagre de que seus autores tenham produzido a quimera de uma legislação perfeita. Decorre daí a conclusão de que qualquer democrata tem o dever de examinar e discutir as reclamações quanto aos chamados excessos de MPs.

Como existe uma predisposição para aperfeiçoar a democracia, neste momento tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Emenda Constitucional nº 70/11, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), que altera o rito da tramitação das MPs. Essa PEC foi aprovada no Senado por unanimidade e tramita agora na Câmara dos Deputados. Na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, foi aprovada sua admissibilidade, nos termos de relatório de autoria do deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). Agora cabe ao presidente da Câmara nomear a Comissão Especial para discutir o mérito da matéria, o que está previsto para breve.

Destaco dois pontos importantes da PEC. Ela elimina a Comissão Mista (Senadores e Deputados) encarregada de emitir parecer sobre as MPs. Atribui à Comissão Constituição e Justiça de cada uma das Casas, atuando separadamente, a emitir parecer sobre a admissibilidade de cada uma das MPs que venham a ser enviadas ao Congresso Nacional. As questões de mérito serão tratadas diretamente no plenário, com isso pretende-se abreviar o trâmite.

Além, disso, a PEC 70/11 propõe estabelecer um prazo de oitenta dias para que a Câmara discuta cada MP e de 40 dias para que o Senado proceda à mesma discussão. Esgotados os prazos citados, na falta de deliberação, a MP perde validade. Como se vê, o Poder Legislativo está vivo e atuante no aperfeiçoamento da democracia. Se houve orgia de Medidas Provisórias isso não aconteceu agora, aconteceu sim no período em que os tucanos governaram o País.

*Deputado José Guimarães (CE) é líder do PT na Câmara 

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