Paulo Pimenta: Precisamos evitar que a renda emergencial chegue tarde demais como auxílio funeral

Para vencer a dupla catástrofe

Nas sociedades complexas como as capitalistas contemporâneas, cada vez que explode uma crise, seja de natureza econômica, como o colapso financeiro de 2008, seja de saúde pública, como a atual pandemia do Covid-19, se evidencia a falência das propostas e do discurso neoliberal para solucioná-las: os líderes do mercado abandonam seus pressupostos privatistas e recorrem ao orçamento do Estado para socorrê-los.

Ocorre que se estreitam cada vez mais os períodos entre o fim de uma crise e o início de outra, o que nos obriga a pensar que não sejam obra do acaso. E nos põem diante da necessidade inadiável de questionar a dinâmica do sistema que as engendra.

A par de qualquer debate de natureza teórica, como traduzirmos para o quotidiano das pessoas esse questionamento?

Tragédia

Quando a tragédia bate à sua porta, você tem a medida real de como se conduzem aqueles que se elegeram com seu voto.

Fica mais fácil perceber quais são as lideranças políticas que se encontram a seu lado.

Os partidos de oposição ao governo Bolsonaro apresentaram para o debate na Câmara dos Deputados, por iniciativa do Partido dos Trabalhadores, o Projeto de Lei que assegura uma renda emergencial básica de 1 salário mínimo para quem mais precisa: as famílias cuja renda per capita seja de meio a 3 salários mínimos, enquanto durar a quarentena.

Famílias vulneráveis

A proposta foi modificada e aprovada pela Câmara e pelo Senado, garantindo o valor de R$ 1.200,00 para as famílias vulneráveis, o que constitui uma vitória do povo brasileiro contra a mesquinhez de um presidente da República insensível à realidade da esmagadora maioria de nossa gente.

É necessário prosseguir com uma cerrada vigilância sobre a equipe de Bolsonaro/Paulo Guedes para que não se protele ou inviabilize a liberação desses recursos dentro dos prazos e da urgência que a situação exige.

Evitar que chegue tarde demais na forma de auxílio-funeral.

Medida emergencial

A proposta das oposições resolve o problema?

Não. Trata-se de uma medida emergencial, ao lado de outras – nas áreas da saúde, fiscal e da economia – oferecidas para enfrentar a crise, diante da inépcia e da falta de propostas de um governo até esse momento por demais ocupado em buscar modos e maneiras de aliviar os impactos da crise sobre as grandes empresas.

As grandes crises trazem consigo esse condão.

Revelam uma realidade muitas vezes mascarada pela ideologia ou pela mistificação pura e simples.

Frases como as que temos lido e ouvido nas últimas semanas, à revelia das intenções dos personagens que as proferiram, cumprem esse papel desmistificador. Desnudam o apetite de certos setores empresariais por explorar os trabalhadores em quaisquer circunstâncias.

Genocídio

Lemos estarrecidos que “Não interessa que 5 a 7 mil pessoas morram, a economia não pode parar”, “Outras doenças também matam”, ou “Essa doença só pega os idosos, nos jovens é só uma gripezinha”, ou, ainda, “A vida não tem valor infinito”, entre outras crueldades do mesmo calibre.

Tais afirmações dizem mais sobre quem as proferiu do que sobre a gravidade da crise.

Não ocorre a seus autores que elas são apenas a tradução, neste momento dramático, do que antes o capitão dizia para quem quisesse ouvir diante da indiferença das instituições. Dizia: “Alguns vão morrer, lamento, é a vida”; “Precisa matar uns 30 mil”; “Só resolve com uma guerra civil”.

Ameaça de empresários

Hoje, frente à necessidade da quarentena de seus funcionários, postos diante da escolha entre a preservação da própria saúde ou manter-se num emprego ainda que precário, alguns empresários ameaçam: “Você não tem medo de perder seu emprego?”.

Ou vemos pela televisão os empresários da fé, patéticos, que à falta de fiéis para encher seus templos e a sacolinha do dízimo, apelam candidamente ao seu rebanho pelas indispensáveis doações de dinheiro como um dependente químico para mantê-los ativos.

Todos sabemos que a quarentena é necessária, mesmo aqueles que a negam.

Negam porque imaginam que terão seus interesses contrariados.

Porque repetem a mesma conduta e insensibilidade dos senhores de escravos do século XIX, diante da vulnerabilidade dos assalariados de hoje.

Porque repetem a mesma vista curta. E ainda não adquiriram, apesar dos ensinamentos da história, o hábito civilizado básico de respeitar os direitos dos trabalhadores. Aqueles fixados nos contratos que, por definição, identificam as concepções que fundamentam o liberalismo.

Patronato escravocrata

Diante de qualquer crise o primeiro alvo das contenções e dos cortes de despesas é sempre a mão-de-obra assalariada, são as pessoas.

Esses representantes do patronato brasileiro não incorporaram em sua cultura e visão de mundo o costume de assumir qualquer compromisso com a garantia das mínimas condições de sobrevivência para a esmagadora maioria dos pobres que movem o Brasil com seu trabalho e fazem do nosso país uma das maiores economias do mundo.

As políticas implementadas por Bolsonaro/Guedes que levaram ao pífio crescimento do PIB de apenas 1,1% no ano passado e a pandemia do Covid-19 põem por terra, neste início da década de 20 do século XXI, toda a vistosa arquitetura do discurso neoliberal.

O governo Bolsonaro/Guedes levou o Brasil à falência. Na economia às suas próprias custas e incompetência.

Nas políticas sociais, por destruir as redes públicas de proteção aos mais pobres construídas ao longo de décadas e também pela inépcia diante da crise agora desatada pelo coronavírus.

Presidente criminoso

Por mais penosas que sejam as condições, sabemos que o povo brasileiro saberá vencer essa batalha, ainda que tenha que travá-la simultaneamente contra a pandemia e contra um governo incapaz de compreendê-la e fazer frente a ela.

Antes, opta pela atitude criminosa do próprio titular do Executivo ao expor a população ao contágio, como fez neste domingo, 29 de março, ao desrespeitar as recomendações da OMS e do seu próprio Ministro da Saúde e realizar um “tour” por bancas de ambulantes em algumas cidades do Distrito Federal.

É conhecida a afeição dos fascistas pela provocação. No Brasil temos um governante que faz dela um método de governo.

Mais cedo do que se imagina levará o país a uma conflagração diante da conjugação de crises: a crise do neoliberalismo que levou à estagnação da economia; a crise ambiental estimulada pelo governo que ampliou exponencialmente o desmatamento da Amazônia; a crise social resultante da destruição dos direitos dos assalariados pelas reformas trabalhista e da Previdência Social, abolindo as redes de proteção aos mais pobres.

Todas elas assumem neste momento um caráter de emergência pela crise desatada pelo coronavírus, agravada pela atitude criminosa do governo federal de ignorá-la, expondo milhões de cidadãos e cidadãs brasileiras ao contágio mortal.

O povo brasileiro sabe pelos valores de sua própria cultura sedimentada ao longo dos séculos que não há saída que não passe por sólidas redes de solidariedade e intervenção decidida e urgente do Estado para reduzir as dimensões desta catástrofe em que o governo Bolsonaro nos mergulhou.

Fora Bolsonaro!

Paulo Pimenta é deputado federal (PT-RS)

 

Artigo publicado originalmente no site VioMundo

 

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