Apesar da intensa obstrução do PT e dos demais partidos de Oposição (PCdoB, PSOL, PDT, PSB), foi aprovado por 21 votos contra 13 o parecer do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP) ao Projeto de Lei 3.261/19, do governo Bolsonaro, que abre caminho para a privatização total dos sistemas públicos de distribuição de água e de saneamento, nesta quarta-feira (30), na Comissão Especial que analisou o tema na Câmara. Além de os deputados da Oposição, parlamentares do PP, Podemos, PSD e do PSC também votaram contra a proposta.
Durante a tensa votação, o presidente do colegiado – deputado Evair Vieira de Mello (PP-ES) – foi muito criticado por atropelar as regras definidas pelo regimento interno para derrubar os requerimentos apresentados pela Oposição, com o objetivo de impedir ou adiar a votação. O deputado Delegado Waldir (PSL-GO) tentou inclusive agredir manifestantes que protestavam contra a votação do texto, após ser vaiado pela defesa que fez da privatização das empresas públicas de água e saneamento.
Na confusão, o deputado do PSL foi acusado de estar armado no plenário. E não foi a primeira vez. O parlamentar também foi acusado de portar arma durante o debate ocorrido no primeiro semestre na Comissão Especial da Reforma da Previdência. Depois que o debate recomeçou, o deputado Afonso Florence (PT-BA) disse que o relatório “é uma rapinagem” contra o setor do saneamento público no País, “ao proibir a atuação do poder público em benefício do setor privado, prejudicando o povo brasileiro”.
Os partidos de Oposição criticam o texto do relator principalmente por acabar com a titularidade dos municípios sobre os serviços de água e de saneamento. Também foram rechaçados a proposta de extinção dos contratos de programa (concessão de prestação de serviços públicos, com base em consórcio público ou convênio de cooperação) e o subsídio cruzado (preço mais baixo de tarifas para alguns setores ou consumidores financiados por meio de tarifas mais altas cobrados de outros consumidores ou setores da economia).
Segundo o deputado Bohn Gass (PT-RS), sem os contratos de programa os esforços pela universalização do acesso aos serviços de água e saneamento sofrerão um baque no País. Segundo ele, são justamente esses contratos que permitem ao poder público fazer parcerias com o setor privado, garantindo investimentos em áreas que não são rentáveis e sem perder o controle do sistema.
“Esse relatório é o da sede e da conta alta. As empresas pensam apenas no lucro, e no mundo onde houve privatizações do saneamento, o Estado está reestatizando por causa de casos de corrupção, de contas altas, e de destruição do meio ambiente. Quem vota a favor desse relatório defende os interesses dos empresários que desejam a privatização, e não a população”, disse Bohn Gass.
Perigos da privatização
Já o deputado João Daniel (PT-SE) lembrou as consequências que privatizações irresponsáveis ocorridas na história recente do País trouxeram para o povo brasileiro. “Comprei recentemente o livro A Privataria Tucana, do jornalista Amauri Júnior, que mostra como foram feitas as privatizações no governo FHC, como no caso da Vale do Rio Doce, um crime de lesa-pátria que trouxe como consequência as tragédias de Mariana e Brumadinho, com a destruição da natureza e de vidas, enquanto o lucro das empresas só aumentou”, observou.
O deputado Zé Neto (PT-BA) também destacou que a privatização total do sistema, incentivada pelo relatório do deputado Geninho Zuliani, só vai trazer benefícios para os empresários que adquirirem as empresas públicas de água e saneamento. “Vossas excelências (defensores da privatização) falam que tem preocupação com o povo, mas isso é uma mentira. Vocês tão mesmo preocupados com os empresários que vão explorar o sistema, que vai ficar muito mais caro para a população”, criticou.
Segundo Zé Neto, nenhum deputado da Oposição é contra a participação do setor privado no sistema de distribuição de água e do saneamento básico, “mas contra o controle total do setor sem a participação do Estado”. Para o deputado Carlos Veras (PT-PE), a saída do poder público desse setor deixará a população à mercê da ganância dos proprietários do sistema.
“Já estão tirando o pão da boca do povo, a aposentadoria, com a Reforma da Previdência, e agora querem tirar até a água? E se a privatização do setor cair nas mãos de empresas estrangeiras, serão elas que vão determinar quem vai ter acesso à água no Brasil e quanto vai ter que pagar? Onde fica a nossa soberania nessa história?”, argumentou.
Destaques do PT
Após a aprovação do relatório foram analisados ainda 11 destaques ao texto. Entre estes, dois da Bancada do PT. Um que mantinha a titularidade dos municípios no fornecimento de água e de saneamento, e outro que retirava do texto o impedimento de municípios que não privatizarem seus sistemas de contraírem empréstimos junto a instituições públicas. Ambos os destaques foram derrotados.
Apesar do resultado, Zé Neto lembrou que a batalha contra a privatização da água ainda não acabou. “Essa conversa não termina aqui. Na Bahia, as maiores mobilizações que já vi na vida foram em defesa do acesso à água e ao saneamento”, avisou.
O relatório da Comissão Especial agora está pronto para ser apreciado pelo plenário da Câmara.
Héber Carvalho