Representantes de entidades ligadas a gestores e a trabalhadores do setor público de fornecimento de água e de saneamento básico no País criticaram nesta terça-feira (15) o substitutivo ao projeto de lei que trata do novo marco regulatório do setor (PL 3.261/19). Segundo eles, além de a proposta ser inconstitucional ao ferir a autonomia de Estados e municípios na gestão do sistema, também é prejudicial à população ao prever a privatização total dos serviços, com o consequente aumento da tarifa e ausência da universalização dos serviços.
O tema foi debatido no Seminário Marco do Saneamento Básico, realizado no auditório Nereu Ramos da Câmara. Os deputados Leonardo Monteiro (PT-MG) – presidente da Comissão de Legislação Participativa (CLP) – e Joseildo Ramos (PT-BA), autores do requerimento do evento, e os deputados Bohn Gass (PT-RS) e Afonso Florence (PT-BA), se revezaram no comando da mesa de debates do seminário.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Saneamento (AESBE), Marcos Vinicius Neves, disse que o relatório do deputado Geninho Zuliani (DEM/SP) ao projeto PL 3.261/19 praticamente inviabiliza o funcionamento das empresas públicas do setor.
“Entre os pontos mais críticos do texto está a extinção dos contratos de programa, fundamental para as empresas estaduais continuarem operando e, ao mesmo tempo, trazerem à iniciativa privada garantir a universalização”, ressaltou. Ele ainda criticou o relatório por obrigar as agências reguladoras locais a se submeterem à Agência Nacional de Águas, desconsiderando as diferentes realidades locais.
Segundo o representante da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) Edson Aparecido essas mudanças na atual legislação ferem a Lei Maior, que é a Constituição Federal. “Esse relatório consegue ser pior do que a MP 844 e 868 do governo Bolsonaro, rejeitados pelo Congresso Nacional, porque desestrutura o setor, fere o pacto federativo, e a autonomia dos municípios”, lembrou. As duas MP’s também instituíam um novo Marco Legal para o setor de saneamento.
O representante da FNU leu uma carta assinada por diversas entidades que condenam a tentativa de mudança no setor que retiram a autonomia dos Estados e municípios do controle das empresas de saneamento. De acordo com o documento, a atual legislação já prevê que o setor privado participe do setor por meio das Parceiras Públicos Privadas (PPP’s) e da compra parcial de ativos de empresas públicas.
Presentes ao evento, trabalhadores do setor – que lotaram o auditório – também se manifestaram por meio de palavras de ordem contra o projeto de lei. “É palhaçada, patifaria, até a água virou mercadoria”, gritaram.
Privatizações malsucedidas
Durante o seminário também não faltaram exemplos de cidades que privatizaram os serviços de água e esgoto e depois voltaram atrás. O presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE), Clovis Nascimento Filho, lembrou o desastre que ocorreu com a privatização da empresa de Saneamento de Tocantins, a Saneatins. “Foi privatizada, e depois a empresa que a adquiriu devolveu anos depois ao estado os serviços dos municípios que não eram rentáveis. Eles só querem o lucro”, alertou, ao se referir às empresas privadas que desejam controlar o setor.
Sobre a importância do fornecimento de água e saneamento terem o poder púbico como principal controlador, o ex-prefeito de Franca (SP) Gilmar Dominici, representando a Associação Brasileira de Municípios (AMB), disse que somente assim conseguiu há 20 anos garantir 100% de acesso aos serviços na cidade. “Foi o subsídio cruzado que permitiu a universalização de acesso aos serviços de água e esgoto”, explicou.
O Seminário contou ainda com a participação de representantes da Frente Nacional de Prefeitos; Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento; da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental; da Federação Nacional dos Trabalhadores em Energia, Água e Meio Ambiente; da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental; da Confederação Nacional dos Municípios; e do Sindicato dos Urbanitários de Goiás. Todos se posicionaram contra o PL 3.261/19 e contra as privatizações do setor de saneamento.
Em contrapartida, representantes de entidades empresariais como a Confederação Nacional da Indústria, o Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto e da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, defenderam o projeto de lei e a privatização das empresas públicas do setor.
Repercussão política
Os deputados petistas que participaram do seminário também criticaram o substitutivo do deputado Geninho Zuliani. Após lembrar que a ONU reconheceu em 2010 o acesso à água e ao saneamento básico como direitos fundamentais, Leonardo Monteiro disse que “o Estado tem papel estratégico na oferta desses serviços ao povo brasileiro”. “Esse PL, que está pronto para a votação, tem a concepção equivocada ao tratar a água como mercadoria”, disse o petista.
Já o deputado Joseildo Ramos lembrou que a cidade de Manaus, que privatizou serviços de água e esgoto já está na quarta empresa privada que administra os serviços. “E hoje tem a quinta maior tarifa do País, e não existe mais a tarifa social”, lamentou.
O deputado Bohn Gass fez um apelo para que a sociedade se mobilize para barrar a aprovação do relatório do PL 3261/19, no próximo dia 30 de outubro. “Temos que lutar para manter o subsídio cruzado e impedir as privatizações. Várias cidades do mundo, como Paris, por exemplo, privatizaram e agora estão reestatizando”, observou.
Na mesma linha, o deputado Afonso Florence lembrou que é preciso unidade para derrotar a proposta. “Precisamos unidade de todo o setor para derrotarmos esse relatório, da mesma forma como derrotamos as MP’s 844 e 868”, finalizou.
Também participaram do seminário os deputados José Ricardo (PT-AM) e Erika Kokay (PT-DF).
Veja o seminário na íntegra:
Héber Carvalho