Conferência Internacional em Defesa da Democracia debate avanço da direita no mundo

A direita está tentando avançar em todo o mundo, com um discurso nacionalista, racista, xenofóbico e ultraliberal. Contra ela, é fundamental a defesa da democracia, de maneira atenta e aprofundada, com participação popular e defesa dos direitos dos trabalhadores e das minorias. Essas foram as linhas gerais do primeiro dia da Conferência Internacional em Defesa da Democracia e de Lula, nesta segunda-feira (10).

O evento foi realizado pela Fundação Perseu Abramo, com o apoio da Secretaria de Relações Internacionais do PT e do Comitê de Solidariedade Internacional em Defesa de Lula e da Democracia no Brasil.

Na mesa de abertura, a presidenta do PT, senadora Gleisi Hoffmann, destacou que “Lula é um símbolo brasileiro, mas também um símbolo mundial de conquistas” e falou da eleição de Bolsonaro em função da ausência do ex-presidente petista.

“Sem Lula, tivemos a eleição de Bolsonaro. Lutamos contra uma fábrica de fake news inspirada e coordenada por Stevie Bannon (que foi assessor na campanha de Donald Trump, nos EUA)”, relatou. “Bolsonaro se elegeu e mesmo fora do Brasil muitos estão estarrecidos com a postura dele e suas falas sobre matar, torturar.”

Ela também defendeu a formação de uma frente democrática com todos os setores da sociedade para combater os retrocessos que estão acontecendo.

“Essa frente será um grande observatório pelos direitos humanos, para que situações como as que aconteceram ontem possam ser condenadas pelo mundo”, afirmou em referência ao assassinato de dois militantes do MST na Paraíba nesse sábado (8). “Nós queremos o nosso Brasil de volta, soberano, comprometido com o desenvolvimento, e pra isso é muito importante a solidariedade de vocês e pra isso é muito importante Lula Livre”.

Gleisi ainda lembrou que “ao longo de sua carreira, Bolsonaro sempre atacou os indígenas, as mulheres, os negros, LGBTs e sempre usou uma linguagem ofensiva”. Ela acrescentou que “esse retrocesso que está acontecendo no Brasil não é algo só nosso, na América Latina isso está muito presente, mas vemos no mundo todo”.

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) sentiu na pele o discurso de ódio de Bolsonaro e vê com preocupação o fato de este mesmo ódio agora estar institucionalizado. “Uma eleição totalmente feita de fake news em que se elegeu presidente um representante do ódio, e se é mais difícil para nós lutarmos contra o ódio é porque ele assume este comportamento dentro do estado. Ou nós avançamos para um caráter mais participativo ou estaremos sempre sob o julgamento do autoritarismo”.

A secretária de Relações Internacionais do PT, Mônica Valente, relembrou a criação do Comitê de Solidariedade Internacional em Defesa de Lula e da Democracia no Brasil, há oito meses, quando Lula foi injusta e politicamente privado de liberdade.

Segundo Valente, a conferência tem como objetivo fazer uma reflexão sobre o momento político que vivemos no Brasil, a respeito da defesa da democracia. “Sabemos que as características desse momento político não dizem respeito só ao Brasil, mas com tudo que está acontecendo no mundo. O avanço da extrema direita, avanço dos golpes contra governos populares e progressistas”.

Ela destacou ainda a comemoração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Data emblemática para humanidade, para nós todos que defendemos a democracia, a solidariedade, um mundo justo e igualitário para todos”.

Em sua fala de abertura, o presidente da FPA, Márcio Pochmann, destacou que o capitalismo adquiriu uma capacidade de adiar suas crises, mas que a partir de 2008, também estabeleceram as bases de um novo liberalismo, que aceita forças neofascistas e vai comprometendo as bases da democracia.

“Precisamos ter clareza sobre essa fase que se recrudescesse. A sociedade em diversos países faz demandas antissistema, que em geral tem como respostas o recrudescimento”, afirmou, acrescentando que é preciso ter em mente que passamos de uma sociedade urbano-industrial para uma sociedade de serviços.

 

Experiências internacionais e enfrentamento do conservadorismo

A primeira mesa de debates foi intitulada “O conservadorismo e a extrema direita no mundo atual”, com o eurodeputado pelo Partido Comunista, João Pimenta; o deputado do Parlasul e ex-chanceler da Argentina Jorge Taiana; a deputada federal pelo PT Maria do Rosário; e o representante do Departamento Internacional do partido grego Syriza Nektarios Bougdanis.

Para João Pimenta, “o crescimento da extrema direita seria impossível sem o comportamento midiático esquizofrênico”. Ele afirma que a estrutura midiática utiliza questões do nacionalismo para levantar partidos ditos tradicionais. “O tratamento midiático promove essas forças que se apresentam como antissistema”

Para o português, “tenta-se passar a ideia de que a alternativa ao risco da extrema direita é a direita”. Ele afirma que nenhum país está imune ao surgimento do fascismo e que “invasões de países, tortura e assassinato em locais militares, tudo isso se alimenta com a eleição de Bolsonaro”.

Jorge Taiana falou sobre as comissões de verdade e Justiça na Argentina após a ditadura militar e a importância da democracia. Ele faz uma crítica aos limites da democracia liberal, pois em sua visão “a democracia é a forma que temos de resolver nossas diferenças de forma pacifica, mas as democracias liberais que temos tem pouca capacidade de resolver problemas estruturais”.

“Sem democracia mais participativa, sem os trabalhadores, movimentos sociais, era muito difícil obter mudanças que fosse além dos pequenos joguinhos dos acordos parlamentares que em geral são muito limitados”, afirmou em referência a resistência que foi feita aos governos neoliberais que vieram após a ditadura e como proposta de enfrentamento no presente.

Ele afirmou que “a esquerda perdeu em parte seu lugar de questionamento do status quo, que foi ocupado pela direita fascista ou neofascista”. “Todos ficamos assombrados quando, depois de 2008, achamos que seria enfrentado o neoliberalismo e viria uma onda progressista no mundo. Há um exemplo positivo de Portugal, que enfrentou essa realidade de forma bem-sucedida, mas não tivemos essa onda, pelo contrário houve contraofensiva do capital financeiro na nossa região, das forças oligárquicas, poderes financeiros, agrários, que puderam avançar com a incorporação do poder judiciário”.

Taiana defendeu que “a luta pela defesa da democracia contra o fascismo não pode ser uma luta limitada às formas políticas. Nós temos que retomar coisas que fizemos há alguns anos, como a coordenação dos esforços de base, expor casos de violações de direitos, de dominação e submissão.”

“Muitos pensam que apenas estamos vivendo o final do populismo e que essa seja uma direita moderna e democrático, mas essa direita é sanguinária, oligárquica e quer a destruição de todas as formas alternativas de poder. Por isso Lula está preso. Por isso nossa recomendação é, para fora, ampla campanha de defesa democrática, mas no interior do país a defesa não deve ser somente republicana e liberal, mas defender trabalhadores, camponeses, aposentados, estudantes e todos os movimentos sociais”, finalizou.

Nektarios Bougdanis complementa ao lembrar que a experiência dos governos de esquerda na América Latina e seus resultados geraram muitos inimigos. “Hoje uma frente das forças progressistas é mais necessária do que nunca, contra a extrema direita e o neoliberalismo. Isso é o que estamos tentando organizar na Europa, com o fórum europeu de forças progressistas”, revelou.

 

Saídas democráticas e conjuntas para o autoritarismo

Na parte da tarde, a mesa “As respostas democráticas e progressistas” apresentou discussão entre representantes da esquerda europeia e o ex-chanceler e ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. A mediação ficou por conta de Antonio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT.

Txema Gujiarro, do partido espanhol Podemos, defende que a esquerda apresente uma contraposição à noção de pátria defendida pela direita, hoje representada pelo Vox, que abocanhou 12 cadeiras no parlamento da Andaluzia. “Há duas bases fundamentais, uma é o feminismo, uma política que cuida das pessoas, fraternal, que luta contra os de cima. Outro pilar é a ecologia. O país está à beira de um colapso, a mudança econômica é necessidade, e não mais uma aspiração. Com esses pilares, podemos construir um novo país e um novo governo.”

E sugere que, ao contrário do que muita gente possa imaginar, as pautas da esquerda têm impacto direto na vida cotidiana. “Falamos do patriotismo que ‘dá de comer’ ao invés do patriotismo de bandeira. Nosso patriotismo é o que faz com que as pessoas possam estudar, viver melhor, ter esperança.”

Falando das eleições brasileiras, Celso Amorim disse considerar fundamental uma formação de uma frente que reúna todos os partidos comprometidos com a democracia. É a única maneira, opina, de enfrentar a ameaça Bolsonarista, agora convertida em realidade. “Uma coisa é termos a extrema direita subindo. Outra é ter a extrema direita no poder. O momento exige uma frente ampla, e a linha divisória vai ter que se deslocar um pouquinho pra direita, senão nós não vamos sobreviver.”

A deputada portuguesa Isabel Moreira, do Partido Socialista, trouxe exemplos de como essa aliança funciona em Portugal. Pela primeira vez, conta, o resultado das eleições (em 2015, após um período de austeridade imposto pelo FMI) obrigou a direita tradicional do país a pactuar com a esquerda. A aliança ficou conhecida como ‘geringonça’.

“Temos divergências entre nós, mas temos um objetivo comum: pôr fim à austeridade, reverter aquelas políticas, para devolver salário, aposentadoria, colocar em prática um conjunto de medidas progressistas que representavam um mínimo comum. A geringonça funciona”, completou.

Javier Miranda, presidente da Frente Ampla que revolucionou a política do Uruguai e elegeu líderes como Pepe Mujica, defendeu a construção de uma unidade em prol da liberdade e diversidade. “Não direitos políticos possíveis e não há construção de democracia sem liberdade.” Pediu ainda que a esquerda não perca de vista as transformações no modo de produção capitalista, que impactam a política de maneiras inéditas. Hoje é a robotização e a economia de plataformas, isso tem a ver com as nossas próprias formas de organização social. É um processo de transformação profundo no modo de produção capitalista.”

 

Agência PT de Notícias

 

 

 

 

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