Violência no campo conta com a participação de agentes públicos e aumenta após o golpe, revelam OnGs

Entidades que participaram do debate sobre a criminalização e ameaças contra defensores de direitos humanos no Brasil, organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, nesta quarta-feira (13), apontaram o golpe parlamentar de 2016 como vetor que impulsionou o aumento da violência e criminalização contra os trabalhadores sem-terra, quilombolas, indígenas, pequenos agricultores e minorias. Eles usaram também a prisão injusta e ilegal do presidente Lula como exemplo de Estado de exceção pelo qual passa o País. A audiência foi conduzida pelo presidente da comissão, deputado Luiz Lula Couto (PT-PB).

Foto: Gustavo Bezerra

Dados da Comissão Pastoral da Terra mostram que os conflitos no campo aumentaram entre 2008 e 2017. Foram 1.170 ocorrências em 2008 e 1.431 no ano passado, relativas a conflitos por causa de terra, de água e sobre trabalho escravo, englobando despejos, expulsões, destruição de bens e ameaças. Foram registrados 71 assassinatos em 2017, contra 28 há 10 anos.

Luciana Pivato, da OnG Terra de Direitos, apresentou dados preliminares de uma pesquisa com 110 ocorrências de violência contra defensores de direitos humanos: 52% foram responsabilidade de agentes privados, mas os outros 48% partiram de ações de agentes públicos. Ela relatou casos como o de uma agricultora familiar do interior do Pará, líder de mulheres da região, que teve duas covas cavadas no quintal de casa.

O coordenador do Núcleo Agrário da Liderança do PT, deputado Nilto Lula Tatto (PT-SP), lembrou dos casos do Padre Amaro, e do Presidente Lula, para ilustrar a perseguição e a criminalização praticada pelo Estado brasileiro. “Os processos de criminalização, perseguição e intimidação são os mesmos contra os lutadores”, alegou o deputado que se referiu às prisões arbitrárias de Lula e de Padre Amaro, acusado de chefiar uma organização criminosa que estaria por trás da tentativa de ocupação de uma fazenda em Anapú, no Estado do Pará.

“O maior crime que se tem é quando alguém – aquele que luta pela vida, pelos que mais precisam de apoio – são perseguidos pelo Estado, e essas pessoas são assassinadas justamente por isso”, lamentou Nilto Tatto.

Nilto Lula Tatto afirma que não há a quem recorrer. “Uma hora é o jagunço, contratado pelo fazendeiro, pelo grileiro, outra hora é o Estado, um braço do Estado, seja o agente político ou o próprio Judiciário. E aí a gente fica aqui numa situação: o que nós podemos fazer?”, indagou.

Vítima – O depoimento do representante do Movimento dos Pequenos Agricultores no Pará, Mateus Pinheiro, de apenas 21 anos, foi um dos mais fortes durante o debate.

“Hoje eu sou uma das pessoas privadas de estar em alguns lugares. Não tenho mais final de semana nos espaços públicos, não tenho mais lazer na comunidade ou no próprio município onde moro”, revelou.

Mateus vem denunciando sistematicamente grilagem de terras em vários municípios e criticou a morosidade tanto da Justiça quanto do governo do Pará.

Liliana dos Santos, da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia, também relatou ameaças em seu estado. Ela destacou a história de um grupo de 14 trabalhadores rurais que foram condenados e estão usando tornozeleiras eletrônicas.

“Tratar a luta pela terra como crime estanca as possibilidades de as pessoas lutarem pelas condições básicas de vida. Essas pessoas viviam há mais de 10 anos nas terras, perderam tudo em ações de despejo, em ações de despejo que seguem acontecendo”, denunciou.

Para Silvio Cardoso Rabello, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), “talvez uma das maiores violências que a gente tem sofrido hoje é a prisão do presidente Lula, uma violência que talvez não tenha precedente na nossa história, praticada pelo Poder Judiciário com apoio da grande mídia e desta Casa”, exemplificou.

Segundo o representante do MST, todos os caminhos que foram abertos para resolução dos conflitos agrários e para que o povo pobre tivesse acesso à terra foi vetado pelo governo Temer. “Colocaram um paredão na frente desses caminhos que impede que o povo tenha acesso à terra em qualquer um dos estados do Brasil”, lamentou.

“O golpe não deixou nenhuma alternativa a não ser a violência, criminalização e morte dos trabalhadores nos campos”, sentenciou Silvio Cardoso Rabello.

O secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Leonardo Steiner, disse que os momentos de desesperança causam angústia. No entanto, ele lembrou que esses momentos exigem organização, união e trabalho em conjunto.

“Não devemos ter medo de falar. Esses nossos irmãos que são perseguidos e mortos clamam nos céus. E nós não podemos – em nome do evangelho – ficar quietos. Temos que nos comprometer para que haja justiça. Temos que nos comprometer para que as pessoas tenham uma chance de viver”, disse, emocionado, Dom Leonardo Steiner.

Dando eco ao clamor das entidades, o deputado Luiz Lula Couto acordou com o secretário-geral da CNBB um encontro para debater os rumos que podem ser encontrados em meio a tanta desesperança.

“Podemos dar passos e teimosamente andar”, respondeu o representante da CNBB.

Participaram também da audiência pública os deputados petistas Valmir Lula Assunção (BA), Patrus Lula Ananias (MG), Lula Marcon (RS), Padre Lula João (MG) e Adelmo Leão (MG)

Benildes Rodrigues com Agência Câmara Notícias

 

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