A Venezuela sem Hugo Chávez segue com o projeto bolivariano iniciado pelo ex-presidente em 1999. Nicolás Maduro, indicado por Chávez para sucedê-lo, venceu a disputa eleitoral no último dia 14 de abril com 50,75% dos votos válidos e terá como grande desafio aprofundar as mudanças que tiraram grande parte dos venezuelanos da miséria, possibilitaram a diversificação da economia, o aumento da escolaridade da população, a diminuição do déficit habitacional e da insegurança alimentar. Se hoje o país vive um ambiente democrático e conquistou sua soberania deve-se a esse projeto popular – antes, as riquezas energéticas da Venezuela serviam à oligarquia local e estrangeira e dois grupos políticos de direita se revezavam no poder.
O resultado eleitoral, mesmo que com uma margem pequena entre os dois candidatos, demonstra que o caminho traçado por Hugo Chávez para seu terceiro mandato, interrompido por sua morte, tem apoio popular que independe de sua presença física. Agora, o próximo período deve alavancar aindustrialização e estender ainda mais as políticas no campo, responsáveis pela redução da pobreza extrema e da segurança alimentar (antes de 1999, o país produzia 51%dos alimentos. Em 2012, esse percentual passou para 71%, mas ainda não é o ideal). A mudança da matriz econômica da Venezuela, de vencer a dependência dos recursos do petróleo, é um ponto prioritário nesse processo. Nicolás Maduro tem consciência de que o sistema de participação popular também joga um papel importante na disputa ideológica e programática contra a direita, assim como a importância da Venezuela na integração latino-americana.
Vencer o retrocesso político e instaurar a democracia plena, com participação popular e redução real das desigualdades sociais, assim como a iniciativa na integração regional, a cooperação entre Cuba e Venezuela, com a criação da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), em 2004, que agrupa oito países membros e tem como objetivo lutar contra aexclusão social, foi um enorme passo político iniciado com a primeira eleição de Chávez. A sua ausência do cenário político fez a direita retornar aos velhos métodos para tentar sufocar a decisão do povo.
O candidato perdedor Henrique Capriles, tão logo confirmada a vitória de Maduro, incitou seus partidários a realizar uma manifestação violenta, a “expressarem a raiva” com o resultado da eleição. O desfecho foi o assassinato de oito pessoas, sendo seis delas militantes socialistas que celebravam a vitória do chavista, e mais 70 feridos.
Curioso que parte da mídia repercuta esse discurso de fraude e conte a revolta como se as vítimas fossem partidárias de Capriles (mesmo com a constatação de execução de eleitores de Nicolás Maduro). Ora, a história recente das eleições em muitos países, inclusive nos EUA e seus aliados, tem resultados tão ou mais apertados do que os vistos no pleito venezuelano. Obama foi reeleito em 2012 com uma margem menor do que a de Maduro: ele obteve 50,5% dos votos populares contra Mit Romney – embora se deva ressaltar o complexo e estranho sistema americano, onde a população dos estados escolhe seu colégio eleitoral. Vale lembrar ainda a disputa de 2000, quando o republicano George W. Bush saiu vencedor mesmo ficando 500 mil votos atrás do rival democrata Al Gore (no colégio eleitoral a diferença foi de apenas cinco votos). O próprio Capriles, ao disputar o governo de Miranda no ano passado, ganhou de seu opositor, Elías Jaua, por uma margem ínfima de 3%? A recontagem não valeria para este caso?
Aliás, uma curiosidade: no dia 14 de abril Nicolás Maduro já havia dito que não se opunha a auditoria de 100% das urnas. Mas só no dia 18, depois de mortes e confrontos, Capriles solicitou ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE) a auditoria. Pedido acatado pelo CNE. Ou seja, Capriles não queria recontar, queria incitar a subversão de direita.
Enfim, o tipo de confronto colocado pelas forças conservadoras venezuelanas, apoiada pelos EUA, é uma tentativa de voltar ao passado. Enfrentar essa ofensiva exige uma ação integrada entre os governos de esquerda na América Latina e Caribe. A postura da direita na eleição venezuelana dá a dimensão do investimento americano na desestabilização desses projetos e da unificação latinoamericana e o nível de deslealdade e golpes que se prenunciam nas eleições dos demais países. Otempo exige reflexão, ousadia e solidariedade.
Iriny Lopes deputada federal (PT-ES) é secretária de Relações Internacionais do PT