“Temos que colocar o pé na estrada. Menos gabinete e mais pé na estrada”, diz Guimarães

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Quando a presidenta eleita Dilma Rousseff deixou o Palácio do Planalto, na quinta-feira (12), no momento em que se dirigia ao carro que a levaria ao Palácio da Alvorada para cumprir o afastamento de 180 dias, a seu lado estava o deputado José Guimarães (PT-CE). Fiel escudeiro, o até então líder do Governo, foi o único a estar com Dilma até ela entrar no carro, sem olhar para trás. Guimarães, esse nordestino jeitoso que conquistou a confiança da presidenta, conta, em entrevista ao PT na Câmara, a dor desse dia difícil. “Pra mim, foi um dos dias mais marcantes da minha vida pública. Foi muito forte”, desabafou. Num relato logo após o desfecho do golpe, Guimarães revelou a grande preocupação dela com as pessoas que a aguardavam do lado de fora do Palácio. “Pessoal, eu tenho que ir lá fora, tem gente no sol me esperando”. Para Guimarães, Dilma saiu muito maior do que entrou no governo. Sobre o legado e o futuro, ele discorreu acerca da revolução social no País nos governos do PT e falou da importância de caminhar junto com os movimentos sociais, que foram o “diferencial” nesses tempos difíceis. Entretanto, confessou que, nesse processo todo, o mais difícil foi a falta de dignidade e lealdade das pessoas. “De alguns, que foram ministros, serviram ao governo dela e de uma hora para outra… Esse é o lado ruim da política”.

Leia a íntegra:

 

PTnaCâmara – O senhor acompanhou a presidenta Dilma até o instante em que ela deixou de carro o Palácio do Planalto. Qual foi o sentimento do senhor naquele momento?

Guimarães – Pra mim, foi um dos dias mais marcantes da minha vida pública. Uma mística que envolveu três sentimentos. Primeiro, de me sentir parte da injustiça que está sendo praticada contra a presidenta Dilma, daí o porquê da minha ida até a porta do carro. Ninguém foi, eu fui. Incorporei pra mim esse sentimento de injustiça. Segundo, o pronunciamento dela marcou. Todo o Palácio, a multidão em frente, os jornalistas, a imprensa internacional… Muita gente contida para não chorar dada a consistência e o peso do seu discurso, não de despedida, mas de um ‘até logo’, ‘até já’. Foi muito forte. O mundo está repercutindo enormemente. Eu poderia resumir numa frase o meu sentimento: estão tirando ela da cadeira momentaneamente, mas não estão tirando do coração valente do povo brasileiro. E o terceiro, o sentimento da representatividade. Choca o País e, principalmente, o mundo o fato de tirar uma presidenta com um clima de comoção hoje no Palácio. Eu compararia: uma comoção com a nossa saída e uma tristeza com a entrada dos golpistas. É um velório o Palácio nesta tarde, não tem cheiro de povo, não tem sentimento democrático, até porque eles estão inexoravelmente carimbados como golpistas. Esse é meu sentimento. Carrego comigo uma coisa, um princípio: não abandono o barco, fiquei até os últimos segundos.

 

PTnaCâmara – Como foi o seu relacionamento com a presidenta Dilma durante todo esse tempo de convivência, sobretudo nesse período para barrar o golpe?

Guimarães – Cultivei uma relação de muita proximidade com ela. Não conhecia a Dilma, conheci agora nesse um ano e seis meses de Liderança [do Governo]. E ela é uma pessoa muito afável, muito amável, diferentemente do que as pessoas imaginam. No último momento em que eu estive com ela, eu estava muito aperreado. Almocei com ela na segunda-feira (9), estava almoçando muito rapidamente. Ela disse: ‘Zé, para! Você está comendo muito rápido’. Ela disse assim: ‘vou dar uma de sua mãe, come devagar, fica tranquilo’. Ela é assim… aparenta ser muito durona, mas, na intimidade, muito afável, muito carinhosa. Ela falou: ‘tô fazendo isso por você e sua mãe vai gostar desse meu conselho’.  Eu terminei e disse: ‘presidenta, gostei muito de ter mais paciência para almoçar’.

PTnaCâmara – E o que o senhor pôde perceber acerca do sentimento dela nesse dia de hoje?

Guimarães – Acho que ela estava muito contida. A grande preocupação dela era que mensagem ela deixaria para o Brasil e para o mundo. E acho que ela conseguiu ser muito contundente: ‘eu estou sendo injustiçada’. Isso calou fundo, e o País está triste. O dia de hoje para ela foi muito forte. Ela fez um esforço, em minha percepção, enorme para se conter. Teve momentos no comunicado lá dentro do Palácio que ela embargou a voz, não ali fora. E a preocupação dela era lá fora, como as pessoas estavam lá fora. Eu diria que ela estava mais preocupada com as pessoas que estavam lá fora do que com os parlamentares que estavam dentro. Quando ela terminou o comunicado, muitos parlamentares de muitos partidos se aproximaram dela para falar e ela disse assim: ‘pessoal, eu tenho que ir lá fora, tem gente no sol me esperando’. Então, acho que esse misto de tristeza e de tudo [outros sentimentos] foi um gesto completo dela, como presidenta, como brasileira e como mulher. Deu um recado que o mundo inteiro está observando.

PTnaCâmara – Nesse sentido, a presidenta saiu fortalecida?

Guimarães – Ela sai muito maior do que entrou. Quando nós iniciamos essa briga, quando começaram a patrocinar essa injustiça, ela estava muito desgastada. Hoje, ela melhorou muito nacionalmente e reverteu completamente o Nordeste. Tenho pesquisas internas de estados do Nordeste em que ela está em outro nível de aceitação. E ela virou vítima de uma armação política, que foi carimbada como golpe. Ninguém fala de impeachment, o povo nas ruas fala de golpe. ‘Deram o golpe!’. E deram um golpe numa mulher, eleita. A farsa do Senado, por mais que tenham tentado dar um grau de civilidade, diferentemente do que aconteceu na Câmara, com um discurso mais refinado, tem a mesma base, é a mesma armação. Uma elite que resolveu tirar o PT do governo, independentemente de qualquer coisa, sem crime, sem nada. O próprio relator [Antonio Anastasia] é o maior pedalador da história de Minas Gerais. E por aí vai… Então, em que pese o dia ter sido muito forte, carregado de um tensionamento e de emoções inigualáveis, ela [Dilma] sai muito grande, e o que entra, entra muito menor. 

PTnaCâmara – Dilma tem repetido insistentemente se tratar de um golpe também nos direitos conquistados pelos brasileiros nos últimos 13 anos. O senhor que nasceu no sertão central do Ceará, lá em Quixeramobim, como percebe esses avanços in loco, quando faz uma comparação entre o que era e o que é hoje a vida dos nordestinos e dos brasileiros em geral?

Guimarães – Na última sexta-feira fomos à Pernambuco e ao Ceará visitar as obras de transposição do Rio São Francisco – uma obra que tem hoje quase 90% de execução, quase pronta para levar água para 12 milhões de pessoas. E eu vi quanta gente morando naquelas bibocas de serra, num sertão que não dá nada, nem mato, numa caatinga de sol escaldante… Vi como as pessoas chegavam até ali quando nós pousamos numa localidade chamada Terra Nova, em Cabrobó, Pernambuco. Eu vi o quê? Naquele tempo em que eu morava em Quixeramobim, lá numa localidade chamada Encantado, o meio de transporte era um burro ou um jumento. Depois, evoluiu-se para uma bicicleta. Quando eu morava lá, o meu maior sonho era uma bicicleta Caloi. Nós éramos 11 irmãos, nunca consegui. E nesse dia agora, sexta-feira, eu vi o povo chegando para a manifestação de moto, de carro, de ônibus, de tudo… Por quê? Porque a vida das pessoas mudou completamente. A melhora é muito forte na vida, na renda, no modo de viver, na casa para morar, na escola para estudar, na universidade para estudar, no posto de saúde para atender… Qualquer filho de trabalhador hoje se orgulha no Nordeste e levanta o braço e diz: ‘Ó, eu vou já ter o meu diploma de doutor’.

PTnaCâmara – Entre todos esses avanços, qual foi o maior legado para o Nordeste?

Guimarães – A maior revolução que nesses 13 anos nós fizemos foi permitir a ascensão social das pessoas, e isso no Nordeste foi fantástico. É uma coisa que ninguém apaga. Não estou nem falando de uma obra dessas [transposição do São Francisco] em que nós vamos investir lá R$ 8,5 bilhões, que por si só já é um tapa na cara das oligarquias nordestinas, que dominaram a região há séculos e nunca souberam enfrentar o problema hídrico da região. Mas eu falo da melhora na vida das pessoas… Os nordestinos, nós na nossa região, não tem ninguém que passa fome. E mais: todo mundo na escola. Os que têm uma renda menor têm uma moto. Eu mesmo estudava a 12 quilômetros do meu distrito e ia todo dia de jumento, em cima de uma carga, ou andando. Então, a vida das pessoas mudou e essa ascensão social não tem revolução maior. Não só o fato que o Lula diz – de comer três vezes por dia –, mas as pessoas ascenderam à condição de cidadãos na vida econômica, social e cultural das cidades. Todo mundo está com autoestima lá em cima, de cabeça erguida, por conta do que conquistou.

PTnaCâmara – O senhor acredita que é a defesa desse legado que pode reverter essa situação de golpe?

Guimarães – As pessoas têm muito medo de retrocesso e defender esse legado é a primeira tarefa da nossa bancada. Nós temos o que mostrar, mesmo nas regiões que não são do Nordeste. No meu estado, você tem hoje três novas universidades [federais]. Só tinha uma. Isso é uma revolução. Você tem 33 institutos federais de educação, ciência e tecnologia. Só tinha um até 2003. Estou dando o exemplo do Ceará, mas isso foi em todo canto. Fizemos uma revolução, e a elite decidiu tirar o PT na marra. Vamos voltar pelo povo, é o único caminho.

PTnaCâmara – E quem são os principais responsáveis pelo golpe?

Guimarães – É um condomínio, que teve alguns personagens centrais: o PSDB, ressentido porque perdeu as eleições; o vice-presidente Michel Temer, que foi o articulador-mor nos bastidores; o presidente da Câmara Eduardo Cunha e, mais ultimamente, o Renan [presidente do Senado], com sua traição. Portanto, isso tudo tem muita força. Dilma disse duas palavras que sintetizam o que foi feito com ela: injustiça e traição. Como pode a falta de decência na política, no comportamento de alguns? Alguns senadores e deputados até um dia desses foram ministros! Eu nunca vi tanta falta de decência, de postura, de dignidade. Pra mim, a maior tristeza foi isso. Falta de dignidade das pessoas, de alguns aqui no Parlamento, que foram ministros, serviram ao governo dela e de uma hora para outra… Esse é o lado ruim da política.

PTnaCâmara – Qual o caminho a seguir agora?

Guimarães – Temos primeiro que organizar e qualificar muito bem o tipo de oposição que vamos fazer. Obrigatoriamente temos que estar do lado daqueles que se posicionaram contra o golpe – a esquerda brasileira e os movimentos sociais. E vamos ter que discutir a natureza da oposição aqui dentro, porque ela será feita aqui dentro e nas ruas. Estou mais preocupado mais com as ruas, porque foi o diferencial nessa disputa que tivemos. É muito importante recompor com os movimentos sociais, eles foram a alma do processo contra o impeachment. Sem eles, nós estaríamos ferrados. Isso é o que nos sustenta e nos dá energia para continuar a luta. Evidentemente, também precisamos aprimorar a disputa política aqui dentro. Temos que fazer oposição ao governo, não ao País. E, para não fazer oposição ao País, a primeira providência que temos que tomar é defender o nosso legado, as coisas que fizemos, e impedir os retrocessos. Quando vier para cá, por exemplo, o projeto de reduzir os beneficiários do Bolsa Família, nós temos que dinamitar; quando vier pra cá o projeto de desvinculação do salário mínimo, temos que dinamitar; quando vier a supressão de direitos, temos que bloquear também….

PTnaCâmara – Qual sua avaliação sobre o futuro do PT?

Guimarães – É claro que o PT tem que fazer uma profunda correção de rumos, fazer uma avaliação desse processo todo, os erros que foram cometidos, mudar profundamente a forma de organização, desburocratizar o partido, recompor o partido com a sociedade, trazer novos atores para as direções. Se depender de mim, acho que o PT tem que mudar muita coisa. É claro que isso não é uma tarefa de uma ou outra pessoa. O País exige isso do PT. Nós não nascemos para ser iguais aos outros e em muitos aspectos nós nos tornamos iguais. Por isso, que nós compramos tamanho desgaste. Nós nascemos para ser diferentes. Muitos dos erros que o PT cometeu foi por ser igual aos outros. Os outros já são, mas o PT não nasceu para isso. Então, o partido precisa fazer uma reflexão.

PTnaCâmara – O senhor já chegou a declarar que o modelo de “presidencialismo de coalisão” faliu. Existe alguma alternativa?

Guimarães – O modelo tem que ser repensado. Ele faliu. Essa aliança de centro que foi feita, faliu, tá errada, ninguém aceita mais isso. E o nosso papel agora é repensar a esquerda, temos que reformular a esquerda. A esquerda do Brasil como um todo, não só o PT, tem que pensar algo maior do que os partidos. Eu sou muito adepto da tese da frente. Temos que evoluir para uma frente ampla aqui no Brasil, com uma plataforma mínima para disputar com a elite brasileira os rumos do País na área social, econômica e política. Se não fizermos essa reforma interna, como vamos propor reformas para o País? A principal reforma que temos que fazer hoje é reformar o PT e a esquerda. A esquerda não pode pensar ‘cada um por si e Deus por todos’, ela precisa ser reformada. O PT não corre risco, será sempre um partido grande de esquerda, que tem base social e representatividade. Agora, não é suficiente para ele sozinho dar conta da conjuntura. Tem que agregar outra construção que, para mim, é uma frente mais ampla. O PT tem que olhar com muito cuidado, ser mais humilde. Eu prefiro um passo atrás, para dar dois lá na frente, do que achar que tem que continuar do mesmo jeito.

PTnaCâmara – E que leitura o senhor faz do cenário das eleições municipais deste ano?

Guimarães – Acho que o Lula, a Dilma e os ministros da Dilma têm que percorrer o País. Nós saímos desse episódio momentaneamente muito fortalecidos, isso pode se refletir numa eleição. Temos que colocar o pé na estrada. Menos gabinete e mais pé na estrada para dialogar com a nossa base social. E mostrar o que fizemos de bom para o País. Ninguém tira esse nosso legado. Chegar no Nordeste e falar das obras hídricas, falar dos benefícios sociais. Tem coisa melhor? Falar das universidades, do filho do pobre nas universidades. Temos que percorrer o País. Não tem que ter choro, temos que ir para as ruas, denunciando o golpe e tentar reverter no Senado. Não podemos fazer isso só o PT, tem que ser algo com o conjunto da Frente Brasil Popular. Estou animado, por mais que o coração esteja ferido e partido, estou animado para enfrentar os novos desafios.

Denise Camarano e Tarciano Ricarto
Foto: Gustavo Bezerra/PT na Câmara

 

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