Um artigo publicado na terça-feira (21) no jornal francês Libération, intitulado, “Brasil, o novo laboratório do neoliberal”, escrito pelo filósofo Dany-Robert Dufour e os sociólogos Frédéric Vandenberghe e Carlos Gutierrez, faz uma análise ácida sobre a situação atual do Brasil.
O texto conta a trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva, “chefe carismático do Partido dos Trabalhadores (PT)” e de sua sucessora Dilma Rousseff. Os autores afirmam que, na era PT, o país estava pronto para alcançar seus “Trente Glorieuses” – uma alusão aos 30 anos (de 1945 a 1975) que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial, um período de forte crescimento econômico. Mas a destituição da ex-presidente Dilma, descrita pelo artigo como um “novo tipo de golpe de Estado, dado não por militares, mas pela mídia, pelo poder judiciário, e logo depois pelo Congresso”, colocou tudo a perder.
Para eliminar as investigações judiciárias sobre a corrupção generalizada, foi necessário descartar a presidente, eleita por 62 milhões de eleitores. Desde então, pontuam os autores, a democracia brasileira conquistada em 1988 depois de anos de ditadura, passou a ser uma “exceção histórica”.
As provas de corrupção contra o presidente Michel Temer, seus ministros e boa parte dos deputados e senadores são esmagadoras, relatam os intelectuais autores do texto. Apesar de tudo, as duas tentativas de tirar Temer do poder, em agosto de 2017 por corrupção passiva, e a segunda, em outubro, por obstrução à justiça e formação de quadrilha criminosa, não tiveram sucesso.
O artigo fala sobre “tempos de austeridade radical, com a aprovação de um orçamento para os próximos 20 anos”, que o governo comprou o apoio dos eleitos. Essa manobra custou cerca de R§ 20 milhões que poderiam ser investidos em saúde, educação, ciência e tecnologia, aponta a publicação.
Depois do fim dos Jogos Olímpicos, o Rio de Janeiro se transformou em uma zona de violência e insegurança, diz o artigo. Os autores descrevem que com “5% de aprovação, o governo Temer não segue somente sem o apoio do povo, mas sim contra o povo, que perdeu a voz, os direitos e a esperança”. Para conseguir seu “golpe de Estado”, Temer se apoiou nos grandes proprietários rurais, setor mais retrógrado do país, e nos grandes empresários, afirmam os autores. O resultado é uma política social, cultural e ecológica desastrosa.
Nas áreas rurais, há o retorno de políticas que visam restaurar um regime de trabalho do século 19 – a decisão de relaxar a definição de trabalho escravo e a redução de seus meios de controle é sintomática de relações de poder que ligam as facções do “gado” a Brasília, descreve o artigo de Libération.
Na cidade, ocorre a revogação definitiva dos direitos trabalhistas adquiridos. O texto afirma que a nova lei do trabalho, que entrou em vigor em 11 de novembro, transformará o Brasil em um laboratório de neoliberalismo. “O que aconteceu quando o Chile estava sob o comando de Pinochet, depois que os Estados Unidos apoiaram o golpe, acontecerá no Brasil na era Temer.
Não sendo eleito ou candidato nas eleições de 2018, ele não tem nada a perder e já não precisa do povo para governar”, enfatizam os autores.
O apoio dos “partidos fisiológicos”, sua base parlamentar e os eleitos corruptos é suficiente para que ele permaneça no poder, e escape do impeachment e, eventualmente, também da prisão, evidenciam os especialistas.
“A partir da próxima semana, a terceirização de todas as atividades de uma empresa se tornará possível. De um dia para o outro, todos os funcionários, sem exceção, perderão seu status de empregado e serão obrigados a voltar ao trabalho no dia seguinte como trabalhadores por conta própria – assim, perdendo todos os seus direitos adquiridos”.
“O artigo mais chocante da nova lei permite que as mulheres grávidas trabalhem em condições insalubres”. Os autores criticam a defesa do governo Temer e da elite econômica, que argumentam que esse conjunto de medidas deve permitir a recuperação econômica do país, proporcionando segurança jurídica aos empreendedores. “No entanto, sabemos que a relação de trabalho é assimétrica e que o “equilíbrio de poder”, para usar um vocabulário marxista da década de 1950, ainda em voga no Brasil, é tal que os trabalhadores têm tudo a perder e provavelmente perderão tudo”.
O texto corrobora com vários economistas brasileiros que dizem que a reforma causará uma crise social e econômica sem precedentes. “Em um país onde a concentração da riqueza já é considerável, a nova lei trabalhista reduzirá ainda mais o poder de compra dos mais pobres e reduzirá a já fraca capacidade de investimento do Estado brasileiro, o que será forçado a aumentar a dívida pública”. “A situação é tensa. O Brasil está avançando perigosamente para o precipício. Qualquer coisa pode acontecer – incluindo o pior”, finalizam os intelectuais.
Fonte: Opera Mundi