Visitados nos últimos dias por representantes do Executivo, ministros acompanham o voto do relator, Aroldo Cedraz, e mantêm continuidade do processo.
O plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) derrotou o voto discordante do ministro-revisor Vital do Rêgo e aprovou, em sessão extraordinária nesta terça-feira (15), a continuidade da privatização do Sistema Eletrobras. Na véspera da sessão, a estatal anunciou o adiamento da divulgação dos resultados de 2021, antes prevista para 23 de fevereiro. Agora, o balanço será conhecido apenas em 14 de março.
A maioria dos ministros acompanhou o ministro-relator, Aroldo Cedraz, que estipulou o valor do bônus em R$ 25,3 bilhões a ser pago pela companhia pela renovação de contratos de hidrelétricas que hoje operam no regime de cotas. A proposta foi aprovada por seis votos a um.
Em seu voto, elaborado após “pedir vistas” do processo na última sessão do ano, em dezembro, Vital do Rêgo apontou três falhas na modelagem e precificação da desestatização da Eletrobras. Segundo ele, equívocos nas estimativas de preço da energia a longo prazo, no risco hidrológico e na taxa de desconto do fluxo de caixas resultaram em uma subavaliação de R$ 63 bilhões da venda da estatal.
CRIME DE LESA PÁTRIA! TCU aprova privatização da Eletrobras, mas valor calculado pelo governo Bolsonaro foi contestado. Estatal estratégica brasileira que nem deveria ser vendida vale pelo menos R$ 130,4 bilhões, e não R$ 67 bi. O dobro do preço! Vamos à justiça!
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) February 15, 2022
O patrimônio da Eletrobras vale na verdade pelo menos R$ 130,4 bilhões, afirmou o ministro, o dobro dos R$ 67 bilhões estimados pelo desgoverno Bolsonaro. A fatia devida ao Tesouro deveria subir para R$ 57,2 bilhões. O montante atualizado considera um valor mais alto (R$ 246,79 MW/h) para a energia a ser gerada pelas usinas hidrelétricas da estatal ao longo dos próximos anos.
“O que se demonstrou é que as várias falhas na modelagem e nos parâmetros de precificação utilizados resultam no desfazimento de patrimônio da União por valor menor do que ele de fato representa, com consequências deletérias para o setor elétrica”, afirmou Vital do Rêgo durante o voto.
O ministro defendeu que fosse considerada a potência total das hidrelétricas nos cálculos. Também contestou as regras de repasse do risco hidrológico e defendeu que a privatização fosse condicionada ao cumprimento das determinações para a correção de falhas na modelagem e na precificação da estatal.
Sugeriu ainda que o processo fosse paralisado e devolvido ao Ministério de Minas e Energia (MME) para atualização dos cálculos referentes ao valor agregado dos contratos de geração da Eletrobras.
Para o ministro, o governo não pode abrir mão dos valores futuros relativos à potência das usinas, o que representa falha metodológica grave no processo de privatização da empresa. O MME alega que “não existe no Brasil um mercado de potência em que os agentes geradores vendam esse ‘serviço’ e aufiram receitas por isso”.
Nos últimos dias, representantes do desgoverno Bolsonaro, preocupados com o eventual fracasso da privatização, passaram a procurar os ministros do TCU na tentativa de mudar eventuais votos contrários ao processo. A pressão, aparentemente, produziu resultados.
Em seguida ao voto de Vital do Rêgo, o ministro Benjamin Zymler votou pela aprovação da privatização nos moldes propostos pelo Executivo, apesar de reconhecer que “ainda não estão num nível de maturidade adequado as contas para a privatização”. “Se a Eletrobras fosse minha, eu não privatizaria com essas contas”, disse Zymler, defendendo que as determinações propostas pelo ministro-revisor sejam transformadas em recomendações.
Como as determinações precisam ser necessariamente cumpridas, essa orientação dificultaria a privatização. Foi a senha para os outros ministros se manifestarem a favor do voto do ministro-relator, que autoriza, com ressalvas, a continuidade do processo.
“Patrimônio amortizado e depreciado”
Além de apontar as discrepâncias na precificação da Eletrobras, Vital do Rêgo fez diversas ponderações sobre o processo. Segundo ele, “nenhum país cuja matriz elétrica possua hidroeletricidade como parte significativa (caso do Brasil) privatizou seu setor elétrico. Estados Unidos, China, Canadá, Suécia, Noruega, Índia, Rússia. Nenhum deles”.
O ministro disse ainda que as 22 hidroelétricas da Eletrobras, que detêm 50% dos reservatórios do Brasil, estão “completamente amortizadas e depreciadas”. “Em tese, a partir de então, toda a população passaria a usufruir de todo esse investimento já feito e liquidado”, argumentou.
“Mantidas as outras variáveis constantes, isso poderia significar contas de energia mais baratas na casa do consumidor”, prosseguiu Vital do Rêgo. “Contudo, com a desestatização em curso, o aproveitamento desses investimentos já amortizados será transferido à iniciativa privada, sem qualquer garantia de modicidade tarifária.”
Para o ministro-revisor, “a sociedade arcou com os custos de construção e instalação dessas UHEs, mas, depois de prontas e pagas, não poderá delas usufruir de forma direta. Além disso, poderá ter uma conta para pagar de R$ 100 bilhões, nos próximos 30 anos.”
Vital do Rêgo afirma que é preciso “jogar luzes” sobre a privatização nos moldes submetidos ao TCU, “por notadamente contrária ao interesse público”. Segundo o ministro há “um nítido açodamento nas tratativas para a concretização da desestatização da Eletrobras, não condizente com a sua magnitude, com a sua importância e com os seus desdobramentos”.
“Sabemos que o brasileiro sofre hoje com as consequências de ter de pagar pela segunda tarifa de energia mais cara do planeta”, disse ainda o ministro. “Levar adiante a desestatização da Eletrobras no formato eivado de falha técnicas aqui detalhadamente demonstradas significará grandes possibilidades de passarmos a ocupar o primeiro posto nesse nefasto ranking”, finalizou.
Nesta terça, representantes do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina) apresentaram levantamento demonstrando que o preço estipulado pelo desgoverno Bolsonaro para a venda da Eletrobras (US$ 10 bilhões) chega a ser 15 vezes inferior a semelhantes estrangeiras. A Eletrobras não ficaria nem entre as 10 primeiras da lista elaborada a partir de números da empresa alemã de dados Statista.
Conforme a entidade, a primeira colocada na lista sobre valor de mercado é a NextEra, nos Estados Unidos, avaliada em US$ 146 bilhões. Com 58 gigawatts (GW) de capacidade de geração, empregando 14,9 mil funcionários, a empresa atua principalmente na Flórida, estado com população de 21.538.187 habitantes (2020).
“Enquanto isso, a Eletrobras tem 50 GW de capacidade de geração, opera com apenas 12,5 mil funcionários e atende uma área equivalente a mais de 40 Flóridas, com uma população dez vezes maior”, compara o diretor da entidade Roberto D’Araújo.
D’Araújo também destacou a décima colocada do ranking. Sem parque de geração e operando só com transmissão, a inglesa National Grid tem valor de mercado de US$ 44,3 bilhões, quatro vezes mais do que a Eletrobras. “Isso sem contar com sequer uma usina, apenas linhas de transmissão. Já a equivalente brasileira possui 49 usinas hidrelétricas, 10 termelétricas a gás, óleo e carvão, 43 usinas eólicas e uma solar”, destaca o diretor.
A venda da Eletrobras ganhou forma sob o usurpador Michel Temer, com o ex-presidente da estatal Wilson Ferreira Junior, hoje presidente da Vibra (ex-BR Distribuidora). A previsão do desgoverno Bolsonaro é promover em abril a capitalização da estatal, da qual não participará para abrir espaço para a iniciativa privada. Assim como fez com a “ex-BR Distribuidora”, agora dirigida pelo homem que iniciou a entrega da Eletrobras. Mas a luta da população contra o entreguismo vai continuar.
Redação da Agência PT