A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) defende a importância de se aprovar urgentemente a taxação das grandes fortunas no Brasil, sobretudo diante da dramática crise econômica agravada pela pandemia de coronavírus. Para ela, as “elites escravocratas” do País sempre bloquearam o debate do tema, mas a “crise da pandemia possibilitou o rompimento dessa resistência para colocar em pauta, na sociedade e no Congresso, várias propostas de taxação das grandes fortunas”. A opinião da deputada está em artigo publicado na revista Carta Capital que chegou às bancas.
Benedita argumenta que propostas de justiça tributária apresentadas e fundamentadas em documento de auditores fiscais permitiriam ao governo arrecadar cerca de R$ 272 bilhões anuais, dos quais R$ 100 bilhões comporiam o Fundo Nacional de Emergência a ser utilizados por estados, municípios e o Distrito Federal no combate à pandemia.
“Parece algo impossível de se alcançar, mas as profundas mudanças produzidas pela Covid-19 na realidade econômica e social e na mentalidade de grande parte da sociedade abriram os caminhos para tornar possível a taxação das grandes fortunas”, afirma a deputada.
Leia a íntegra do artigo:
“Quem tem medo de taxar as grandes fortunas?
Por Benedita da Silva (*)
A hegemonia mundial de 40 anos da desumana política neoliberal, que só produz desigualdade social onde é adotada e resistiu até mesmo ao choque da crise financeira de 2008, parece que não escapará dos devastadores impactos da pandemia de coronavírus. O que tem funcionado de fato no combate à Covid-19 é a intervenção do Estado na saúde pública e na garantia da renda mínima durante a quarentena. Tudo o que é abominado pelo neoliberalismo, que defende apenas a iniciativa privada e o mantra do Estado mínimo.
O que vemos no mundo é a pandemia derrubando com a força de um furacão os dogmas neoliberais que só têm causado crise social e extinção de direitos onde são adotados.
No combate à pandemia está ficando claro que precisamos de mais cooperação entre governos, de apoio irrestrito às recomendações da OMS e às pesquisas e de rigoroso isolamento social com renda mínima. Precisamos de mais Estado de Bem-Estar social e não da ditadura do mercado.
Nasce da guerra da pandemia uma mentalidade mais humanista e solidária, que não tolera mais a desigualdade, o ódio e as guerras e exige que todos, inclusive os ricos, paguem a conta de forma proporcional à sua renda.
Papel do Estado – Essa mentalidade solidária e progressista também cresce no Brasil, expressando-se no repúdio a um presidente que põe a vida da sociedade em risco ao negar criminosamente a gravidade da pandemia. Do mesmo modo que em outros países vemos aqui a ampliação do debate da volta do papel do Estado e não apenas para reforçar o setor de saúde pública, mas na reconstrução pós-pandemia.
Tabu – Diretamente ligada à ideia do fortalecimento do papel do Estado está a necessidade de uma reforma tributária justa e progressiva, que adote a taxação das grandes fortunas. Historicamente esse tema sempre foi tabu e fora de alcance da justiça tributária e social.
Aprovada pela Constituinte de 1988, à custa de grande pressão ética e social, a taxação das grandes fortunas jamais foi regulamentada e passou longe de todas as propostas de reforma tributária dos governos Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e agora com Bolsonaro.
Bilionários – Deve ser porque o Brasil é campeão de desigualdade social no mundo. Segundo a revista Forbes, no ano passado, 206 bilionários detinham mais de R$ 1,2 trilhão, quase 20% do PIB. A soma da riqueza de todas as famílias brasileiras é de cerca de R$ 16 trilhões, mas a metade, R$ 8 trilhões, encontra-se nas mãos de apenas 1% das famílias.
Toda a política econômica da dupla Bolsonaro-Guedes gira em torno dos interesses desse 1% de super-ricos. A vida do povo e o seu futuro não contam em nada e a visão de “nação” dessa elite endinheirada está reduzida à obtenção do lucro máximo e a uma concentração de renda sem limites.
Humilhação – Podemos constatar isso nas medidas do governo durante a pandemia. Enquanto o governo propôs pagar inicialmente a esmola de R$ 200 como auxílio-emergencial, tentou fazer o Banco Central comprar dos outros bancos R$ 1,2 trilhão em títulos podres. A oposição elevou o auxílio-emergencial individual para R$ 600 e o Senado estabeleceu limites nas ações do BC na compra dos títulos.
O sentimento de que nada mais será como antes da pandemia, que toma corpo internacionalmente e poderá ser realidade em muitos países, também cresce no Brasil. Aqui, onde a mentalidade elitista e escravocrata das classes dominantes sempre bloqueou o debate sobre justiça tributária, a crise da pandemia possibilitou o rompimento dessa resistência para colocar em pauta, na sociedade e no Congresso, várias propostas de taxação das grandes fortunas.
A determinação constitucional de que um novo imposto só tem validade no ano seguinte pode ser contornada pelo Estado de calamidade do país, como é o caso do Orçamento de Guerra. Além do mais, no pós-pandemia o país viverá uma depressão econômica com uma queda do PIB estimada em 5%. A paralisação da atividade econômica e, consequentemente, da arrecadação de impostos vai tornar necessário, no próximo ano, o aporte de novos recursos que a taxação das grandes fortunas pode suprir plenamente.
Justiça tributária – Nesse sentido, como esforço máximo para gerar novos recursos nessa luta em defesa da vida, merece destaque a proposta de criação do Fundo Nacional de Emergência apresentado pelas entidades fiscais, como Auditores Fiscais pela Democracia (AFD), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e o Instituto Justiça Fiscal – IJF.
As propostas de justiça tributária apresentadas e fundamentadas no documento dos auditores fiscais permitiriam ao governo arrecadar cerca de R$ 272 bilhões anuais, dos quais R$ 100 bilhões comporiam o Fundo Nacional de Emergência a ser utilizados por estados, municípios e o Distrito Federal no combate à pandemia.
Dentre das propostas tributárias vale esclarecer as mudanças na tabela do IRPF, com alíquotas de 35% e 40% incidindo sobre rendimentos superiores a 60 salários mínimos (R$ 62.700,00) e 80 mínimos (83.600,00), respectivamente; e a alíquota marginal temporária de 60% sobre rendimentos superiores a 300 salários mínimos mensais (R$ 313.500,00), que representam 0,09% dos contribuintes. O trabalhador que ganha até R$ 4 mil por mês estaria isento do imposto, representando um universo de, aproximadamente, 8 milhões de contribuintes, cerca de 38% do total de declarantes.
Todos devem dar sua cota de sacrifício no combate à pandemia, contanto que seja proporcional à sua renda e patrimônio. O sentido humanista e solidário dessa proposta de taxação de grandes fortunas expressa-se bem na campanha ‘Taxar Fortunas Para Salvar Vidas’, conduzida pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, com o apoio de todas as centrais sindicais.
Parece algo impossível de se alcançar, mas as profundas mudanças produzidas pela Covid-19 na realidade econômica e social e na mentalidade de grande parte da sociedade abriram os caminhos para tornar possível a taxação das grandes fortunas.
(*) Deputada federal (PT-RJ) e ex-governadora do Rio de Janeiro
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