Com a secretaria posta em evidência pelos protestos de junho, o secretário municipal de Transportes de São Paulo, Jilmar Tatto (PT), diz que viu uma mudança de mentalidade da população a favor do transporte público muito antes de ocorrerem as manifestações e que isso facilitou a abertura de faixas para ônibus. Em entrevista exclusiva ao Valor, o petista afirma que a prefeitura vai tentar reduzir a margem de lucro dos empresários, mas que isso não é fácil porque o setor é praticamente um cartel.
Para Tatto, que ocupou o mesmo cargo na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (2001 a 2004), a população ficou mais consciente da importância do transporte coletivo na última década. Em 2004, lembra, ocorreram protestos quando a prefeitura tentou criar faixas e corredores exclusivos para ônibus em avenidas de bairros nobres da capital. Agora, a gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) tira do papel um plano muito maior sem oposição dos moradores.
“A não resistência à implantação de faixas exclusivas e corredores é um ganho importante”, avalia, lembrando que metade dos 83 km de faixas exclusivas feitos pela atual gestão foram construídos até maio – portanto, antes de a população ir às ruas pedir melhorias no transporte público. “Hoje há uma consciência maior de que a cidade travou e de que não tem jeito de caber mais carros”, pontua.
Como resposta aos protestos, Haddad determinou que o plano de faixas exclusivas para ônibus passasse de 150 km em quatro anos para 220 km até dezembro deste ano. Há ainda a promessa de fazer mais 150 km de corredores de ônibus, projeto de R$ 6 bilhões que a prefeitura pretende realizar com dinheiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
No discurso de restrição ao transporte individual, o secretário defende ainda que a Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina seja repassada para os municípios para subsidiar as tarifas de ônibus. Para ele, a classe média, que já não simpatiza com o PT, vai entender o encarecimento à locomoção por carro e à retirada de espaço dos automóveis. “Vai ser bom até para quem quer continuar usando o carro porque vai aliviar o trânsito.”
Tatto afirma que a nova concessão das linhas de ônibus, avaliada em R$ 46 bilhões em 15 anos, vai melhorar a qualidade do serviço, ao mudar a forma de remuneração das empresas e permitir maior controle, como uso de GPS para fiscalizar se os ônibus realmente partiram – um dos principais motivos, diz, da excessiva espera nos pontos e das lotações.
Em resposta aos protestos, Haddad adiou a licitação para discutir com a sociedade o melhor modelo. Os atuais contratos, assinados pelo petista em sua primeira passagem pela secretaria, venceram dia 17, mas foram prorrogados até que seja feita a licitação. “Os empresários queriam que os contratos fossem estendidos por cinco anos, mas fizemos por um só para dar tempo de discutir o modelo.”
No atual modelo, a taxa de retorno das empresas é de 14% do investimento ao ano. O prefeito tem defendido a redução dessa margem, que foi firmada quando o cenário econômico era mais instável. O secretário endossa o discurso do chefe e diz que há “gordura para queimar”, mas evita valores.
Afirma, porém, que é um setor com muita capacidade de pressão e “cartelizado”, controlado por poucas empresas familiares. “Não é fácil ter concorrência e isso ocorre em todo o país. [Os empresários] são fortes e choram, mesmo ganhando muito dinheiro”, diz.
O secretário afirma que o problema de mobilidade de São Paulo é agravado pela falta de uma malha de transporte por trilhos maior. Ao entrar neste assunto, interrompe a entrevista para mostrar um mapa que circula na internet, com o desenho comparativo das redes de metrô de várias capitais. A de São Paulo, de longe, é a mais acanhada. “Vocês viram esse mapinha? Olho para ele e fico morrendo de vergonha que a minha cidade só tem isso de metrô.”
Tatto, então, ignora a recente proximidade entre Haddad e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e começa a criticar as gestões do tucanas no Estado. “Eles são muito lentos”, diz, para emendar: “Acho que é falta de acompanhamento, não souberam definir o que era prioritário”.
Deputado federal licenciado, Tatto dá como exemplo seu próprio chefe. “Pega o Fernando Haddad. Ele tem um sistema para controlar todos os processos da sala dele e me liga todo dia, de noite, madrugada, no domingo, pelo amor de Deus! Porque isso? Porque o que é prioridade, que é estratégico para a cidade, ele acompanha dia e noite.”
Apesar das críticas ao PSDB, o secretário ressalta a parceria com o governo estadual, com quem faz reuniões mensais. Uma ação mais concreta é o pedido de verbas do PAC para a construção de uma linha de metrô até o Jardim Ângela, depois do pedido do prefeito para antecipar a entrega. Alckmin fará a linha e Haddad, a estação.
Tatto diz que a relação está melhor que a vivida entre o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) e Alckmin, virtuais adversários na eleição estadual em 2014. “O metrô ficou dois ou três anos tentando fechar a Oscar Freire com o Kassab [para fazer uma estação] e não conseguiu porque a CET não permitia”, pontua, citando autorização dada por Haddad esta semana para fechar a rua. “Não há esse conflito mais. A determinação do prefeito é fazer tudo que for bom para a cidade e deixar a disputa política para os três meses da eleição.”
Também está sendo elaborado pela secretaria um sistema de empréstimo de bicicletas interligado aos outros modais de transporte público por meio do bilhete único. Segundo Tatto, o serviço ficará sob concessão de uma empresa, escolhida por licitação. As regras constarão de projeto de lei encaminhado até o fim do ano para a Câmara.
“A necessidade seria de 50 mil bicicletas. O modelo ainda está em aberto. Podemos usar publicidade ou até colocar tarifa. O ideal seria que o usuário pegasse a bicicleta e não pagasse ao deixá-la na estação ou terminal, para incentivar o uso”, afirma. Atualmente, o Itaú tem permissão da prefeitura para emprestar bicicletas à população.
Raphael Di Cunto e Rodrigo Pedroso – Valor Econômico* (24/07/2013)
*Título original: Para Tatto, ônibus em SP são ‘cartelizados’