Escassez de médicos, filas de espera, atendimento precário, superlotação de hospitais, falta de leitos na UTI… Esse é o SUS midiático! Aquele que aparece estampado em páginas inteiras de jornais e em reportagens detalhadas de tevê. Mas, para além das mazelas humanas, existe um SUS resolutivo, que nasceu de uma conquista popular e de uma mobilização que atravessou décadas para, enfim, materializar na Constituição brasileira o direito à saúde pública e universal.
O sistema público de saúde brasileiro é o único no mundo a se estruturar em países com mais de 150 milhões de habitantes com a característica de ser universal – ou seja, não excludente, aberto a qualquer cidadão. Antes de 1988, não era assim no Brasil. Só acessava o antigo INAMPS quem era filiado à Previdência Social, ou seja, trabalhava com carteira assinada. Entre os sistemas universais, o SUS é o único também a se capilarizar, se descentralizar, numa extensão territorial tão ampla em tão pouco tempo – são apenas 25 anos. Sistemas universais como o da Inglaterra e o da França têm em média 50 anos a mais de consolidação.
O Brasil tem o sistema de saúde mais descentralizado do mundo. As outras experiências europeias e a americana de sistema único ou são de estados confederados, mas não com o modelo de municipalização como o brasileiro, ou são de países unitários. Por isso, o desenho federativo do Brasil exigiu do SUS um nível de governança sistêmica extremamente complexo. Enquanto em outros países com sistema público universal, o número de operadores sistêmicos não passa de um ou, em casos extremos, de algumas dezenas, no Brasil, só de operadores municipais são 5.570 – ou seja, o número total de municípios.
Essa característica, em vez de esfacelar o sistema, confere a ele uma equivalência de poderes entre os três níveis (municipal, estadual e federal), sem que seja possível hierarquizar o comando final, já que cada ação de saúde deverá estar centrada na realidade epidemiológica de cada localidade, não permitindo a existência um mando ou projeto único de saúde, em função de realidades tão distintas e distantes.
“O SUS é um processo dinâmico e eu diria infinito. Até porque sempre haverá uma conquista a ser feita, seja na área do Direito, da ciência ou da tecnologia. Essa conquista sempre terá que ser incorporada ao Sistema Único de Saúde. A incompletude do SUS é o que faz com que as pessoas tenham que participar dele. E a Lei 8.142 [uma das Leis Orgânicas da Saúde] garante essa participação. Ela não só garante a participação para fiscalizar, mas também para ajudar a construir junto esse processo”, detalha Dr. Rosinha (PT-PR), presidente da Comissão de Seguridade Social e Família.
Está no gene do SUS a construção democrática de toda a rede de atendimento. A descentralização das ações e serviços de saúde, que consta como um dos preceitos constitucionais do sistema único, dimensiona esse caráter de democracia na sua gestão. A construção dessa rede interfederativa, contrariando toda e qualquer crítica que se faça a ela, é um patrimônio da população brasileira, que está expresso numa política pública que é dever do Estado e direito do cidadão, não se caracterizando como uma política deste ou daquele governo.
“O SUS foi a maior conquista do povo brasileiro nos últimos anos. Uma pessoa que precisava de atendimento antes do sistema único ficava à mercê das Santas Casas ou dependiam da vontade política de algum governante. O SUS veio corrigir essa distorção e fazer com que uma luta história de décadas começasse a ser implantada. Avançamos muito. O problema é que o SUS se vende mal. Se de dez ações, ele faz nove bem feita e tem problema em uma, só aparece essa última”, afirma Assis Carvalho (PT-PI), ex-secretário de Saúde do Piauí.