Sociedade rejeita privatização da água

A privatização da água e o uso irracional desse bem natural para promover o lucro, sem a preocupação com os danos sociais e ambientais para a sociedade, são as principais preocupações dos debates ocorridos até agora no Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA). O evento acontece até quinta-feira (22), no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade e na Universidade de Brasília (UnB).

Na plenária sobre as “Estratégias do Capital sobre os Bens Naturais e a Água”, foram reveladas as ações de apropriação e de mercantilização dos recursos naturais, principalmente a água. Segundo o professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Dorival Gonçalves, o capital mundial vê nos recursos naturais uma forma de saída da crise em que se encontra e também como possibilidade de produtividade ampla e elevada. “O capital precisa encontrar um lugar para que o dinheiro, hoje apenas especulativo, se realize. Os recursos naturais são um local importante e eficiente para isso”, apontou.

Ainda de acordo com o professor, a América Latina – que possui 26% da água doce disponível em todo o mundo – é hoje um dos principais alvos. Segundo Gonçalves, estão em jogo as amplas reservas de petróleo e gás no continente, além de elementos como nióbio e lítio no campo da mineração. “Combinados com a qualidade das terras, o clima adequado e uma quantidade de água sem igual no mundo, esses elementos se tornam inegociáveis para o capital”, explicou.

Para o professor da UFMT, esse interesse move a estratégia de transformar esses recursos essenciais em mercadoria para a geração de lucro. Como exemplo, ele cita o processo de privatização da Eletrobras e da captação e distribuição da agua, por meio das empresas de saneamento, que tem sido defendida pelo governo Temer desde o golpe parlamentar de 2016.

O professor Dorival Gonçalves destacou ainda que a privatização das empresas de saneamento – com patrimônio estimado em 120 bilhões de reais – é um dos principais temas em debate no Fórum Mundial da Água, que também acontece em Brasília. “É uma indústria já estruturada nacionalmente, com uma cadeia produtiva organizada e já com consumidores certos. A negociação disso tudo é a principal razão dos debates no Fórum Mundial da Água”, ressaltou.

Durante os debates, foram revelados os prejuízos que a mercantilização da água trouxe para a população da Nigéria e do Chile. O ativista nigeriano Philip Ebuata Jakpor contou a experiência vivida no município de Lagos, pelo acesso e controle da água. “Enquanto a própria comunidade controlava a água, nos tínhamos a garantia para todos, mas o governo militar deu o controle para empresas como a Nestlé, e então conhecemos a privatização da água”, conta.

A partir daí, a população da região luta pela retomada do controle das suas águas, com a realização de campanhas públicas de diálogo com a sociedade civil, trabalho coletivo junto do movimento sindical e principalmente organização com movimento de base no país. “E só viramos o jogo com uma intensa unidade no país e trabalho popular”, relatou Philip Jakpor.

Já no Chile, Rodrigo Mundaca, do Movimento de Defesa do Acesso à Água, Terra e Meio Ambiente (MODATIMA), disse que em certas regiões a população não tem acesso à água e nem ao saneamento básico, como consequência da privatização dos serviços. Ele contou que muita gente é obrigada a defecar em sacolas plásticas, pois não há forma de escoar os dejetos.

“A desigualdade na América Latina tem como base a transformação massiva de recursos naturais em capital financeiro e monetário. E os governos de direita em todo o continente têm reforçado com ações esse modelo de lucro com os recursos naturais”, denunciou Rodrigo.

O deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, destacou que no Brasil a privatização da água é amplamente rejeitada pela sociedade.

“Eu participo do Fórum Mundial e do Fórum Alternativo Mundial das Águas, e tenho percebido que até no Fórum oficial grande parte dos delegados são contrários à privatização da água, defendendo-a como um bem público. E o FAMA contribui com esse debate, envolvendo a sociedade civil na resistência a qualquer proposta de privatização da água”, observou.

Meio Ambiente – Além dos prejuízos sociais que poderiam ser causados pela privatização da água, o FAMA também debateu os danos que o meio ambiente já sofre com a exploração irracional da água em atividades como a do agronegócio e da mineração.

A coordenadora do setor de saúde do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) do Distrito Federal e do FAMA, Sandra Cantanhede, denunciou que uma das principais causas de morte no campo é a contaminação da água pelo uso intensivo de agrotóxicos. “O envenenamento da água pelo uso intenso de agrotóxicos em grandes produções agrícolas de grileiros causa doenças e óbitos que se devem a contaminação da água”, afirma.

Na atividade mineradora, relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que os conflitos por água no Brasil cresceram 150% entre 2011 e 2016. O relatório revela, ainda, que mais da metade dos problemas (51,7%) decorre da atividade mineradora.

“Dentro de toda essa realidade de degradação, quem está na ponta desses efeitos negativos são sempre as mulheres. Elas caminham mais para conseguir água, são sobrecarregadas de trabalho para cuidar dos convalescidos e tem mais dificuldade para cultivar alimentos”, relata Camila, Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) da Bahia.

PT na Câmara com informações do site do FAMA

Foto: Joka Madruga

 

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