Lideranças da sociedade civil que participam do Fórum Alternativo Mundial das Águas (FAMA), que se realiza até a próxima quinta-feira (22) no Parque da Cidade e na Universidade de Brasília (UnB), manifestaram em entrevista coletiva nesta segunda-feira (19) preocupação com uma possível tentativa de privatização das águas no País. Fatos recentes demonstram que a inquietação tem motivo. Em 24 de janeiro deste ano, Michel Temer manteve encontro privado com o presidente da Nestlé, o belga Paul Bulcke, durante a realização do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. A empresa defende o fornecimento de água como um produto a ser comercializado pela iniciativa privada.
A agenda de Temer em Davos também privilegiou outras empresas que defendem o mesmo conceito, e que são francamente favoráveis à privatização. O presidente ilegítimo manteve encontros privados com o Presidente Global da Ambev, Carlos Brito, e o CEO da Coca-Cola, James Quincey. Os dois defendem a privatização das águas por meio de parcerias público-privadas.
Para o integrante da organização do FAMA e representante da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Edson Aparecido da Silva, o grande desafio do FAMA é manter a sociedade civil unida na luta contra a privatização. “Na atual conjuntura de golpe, temos que reforçar os mecanismos democráticos de resistência a essa onda neoliberal que volta ao País, de privatização da captação e do fornecimento de água. O mundo caminha na direção contrária, da reestatização”, ressaltou.
Em entrevista à BBC Brasil no ano passado, a coordenadora para políticas públicas alternativas no Instituto Transnacional (TNI) – centro de pesquisas com sede na Holanda – Satoko Kishimoto, destacou que da virada do milênio para cá foram registrados 267 casos de “remunicipalização”, ou reestatização, de sistemas de água e esgoto.
“Em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás porque constatam que as privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs) acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso”, explicou Satoko à BBC Brasil.
Durante a coletiva, o representante da Coordenação Nacional dos Quilombolas Denildo Rodrigues (Bico), destacou que “é necessária uma luta conjunta dos quilombolas, dos povos indígenas e tradicionais para enfrentar essa realidade”. O líder indígena Alberto Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), ressaltou que “os povos indígenas preservam a natureza, inclusive a água, e que não vão permitir essa privatização”. “Estamos dispostos a lutar contra as multinacionais que querem retirar esse direito do povo brasileiro”, afirmou.
A secretária do Meio Ambiente da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Rosemary Malheiros, lembrou ainda que para preservar o acesso democrático à água também é preciso mudar o modelo de agricultura no País. “Hoje a terra está sendo tomada pela agricultura patronal, que ao contrário da agricultura familiar que protege os rios e nascentes, consome 67% da água do Brasil tentando lavar o solo contaminado pelos agrotóxicos, que envenenam e matam os rios e contaminam os lençóis freáticos”, acusou.
A coletiva contou ainda com declarações de representantes dos povos tradicionais do Brasil, e de várias entidades da sociedade civil da América do Sul e de outros países do mundo.
Héber Carvalho
Foto: Divulgação/FAMA