Desde a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro já demonstrava traços de inspiração no nazifascismo. Com declarações inflamadas, propostas polêmicas e denúncias de ter montado um esquema de divulgação de notícias falsas, Bolsonaro já exibe desde seu longo período como deputado federal um currículo que lhe garantiria, no mínimo, um adjetivo de “extrema-direita” – evitado até hoje por alguns meios de comunicação. O vídeo publicado por Roberto Alvim na quinta-feira (17) é apenas uma expressão desse laço.
Ao chegar a presidência, alguns dos mais céticos e ditos criteriosos apontavam que o ex-capitão se curvaria a uma suposta liturgia do cargo e seria no máximo um “populista de direita” – termo bastante controverso, mas espelhado nos qualificativos atribuídos ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O tempo foi passando e os traços autoritários do então candidato que disse que ia “fuzilar a petralhada” – que hoje afirma que pessoas de esquerda não podem ser tratadas como “pessoas normais” – seguiram evidentes e alguns episódios resgatam o flerte do governo com o nazifascismo, seu discurso e sua estética.
Nesta reportagem vamos trazer alguns casos que foram taxados como neo-fascistas, fascistas, neo-nazistas, nazistas, nazifascistas e outros qualificativos similares. Muitos deles foram resgatados nas redes sociais nesta sexta-feira após a queda de Alvim.
Roberto Alvim e Goebbels
O ex-secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim, perdeu seu cargo após explicitar a correlação de seu projeto cultural com as iniciativas de propaganda nazistas em vídeo publicado nas redes sociais com o objetivo de divulgar o Prêmio Nacional das Artes, apresentado horas antes em live com a participação do próprio presidente. Na gravação ele usou uma frase do ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, e adotou toda uma estética similar à usada pelos nacionais-socialistas – incluindo trilha sonora de Ópera exaltada por Adolf Hitler.
Brasil acima de tudo
“ Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. O slogan de campanha do então candidato Jair Bolsonaro em 2018, que também deu nome à sua coligação, tem inspiração direta em um slogan nazista.
Na Alemanha de Hitler, um dos bordões mais repetidos era o “Deutschland über alles” que, em português, significa “Alemanha acima de tudo”. O trecho, inclusive, fazia parte do hino nacional alemão, mas foi suprimido ao final da Segunda Guerra Mundial.
O “sósia” de Hitler
Em 2015, Bolsonaro apareceu em foto ao lado de um “sósia” de Hitler após audiência pública na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro convocada para debater o projeto Escola Sem Partido, defendido pelo ex-capitão. Por decisão da Comissão de Educação da Câmara, Marco Antônio Santos, o “Hitler”, foi impedido de falar por estar trajado igual ao ditador nazista, mas isso não o impediu de posar ao lado do hoje presidente da República.
Além da foto, Santos se filiou ao PSC em 2016 – partido que, na época, abrigava Jair Bolsonaro e seu clã – para concorrer à vereança e chegou a receber doações do hoje senador Flávio Bolsonaro – que concorreu à Prefeitura da capital carioca na ocasião.
Skinheads pró-Bolsonaro
Quatro anos antes, uma manifestação comandada pelos grupos Ultradefesa, União Nacionalista e Carecas com a presença de neonazistas e skinheads foi realizada na Avenida Paulista em defesa do então deputado federal Jair Bolsonaro cerca de um mês depois dele declarar no programa “CQC” que os filhos dele não são gays porque tiveram uma boa educação e que disse que não falaria de “promiscuidade” ao ser questionado se seus filhos namorariam uma mulher negra.
Eduardo Thomaz, líder do Ultradefesa, disse na época que o protesto se baseava nos “direitos da família e do cidadão” e não era homofóbico. Hoje, Thomaz é presidente municipal do PSL na cidade de Mairinque. Bolsonaro não foi no ato, mas agradeceu: “Fico feliz se o movimento for voltado contra as propostas que estão aí, de invadir as escolas de primeiro grau simulando o homossexualismo e preparando nossos jovens para a pedofilia”.
“Nazismo de esquerda”
Logo dar declaração à imprensa em Israel afirmando que o nazismo era de esquerda, o presidente Jair Bolsonaro visitou o Museu do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. Acontece que a instituição descreve que o movimento de Hitler surgiu de grupos radicais de direita contra o comunismo. O Museu conta que havia um clima de frustração pós-guerra que “junto a intransigente resistência e alertas sobre a crescente ameaça do Comunismo, criou solo fértil para o crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha, gerando entidades como o Partido Nazista”.
Partidos políticos alemães chegaram a se manifestar contra as declarações do presidente brasileiro e até mesmo um abaixo-assinado online internacional exige uma retratação do capitão da reserva por distorcer a história.
“Hitler de Brasília”
Thilo F. Papacek, professor alemão e doutor em Históra pela Universidade Livre de Berlim, conversou com a Fórum sobre as declarações e analisou que o discurso do presidente brasileiro tinha muitas semelhanças com o discurso dos partidários de Hitler. “Esse discurso de Bolsonaro de ‘limpar o país’ e ‘fazer exorcismo’ contra a esquerda, sim, chega até aqui. E esse tipo de discurso existia no governo da Alemanha também, entre os anos de 1933 a 1945 [período do goveno nazista de Hitler]. Nesse sentido, Bolsonaro é muito mais semelhante aos nazis”, declarou.
Durante as eleições, o então candidato foi qualificado como “Hitler de Brasília” por um articulista em jornal de Israel. “Hitler em Brasília – Os evangélicos dos EUA e a teoria política nazista que estão por trás do candidato à Presidência do Brasil”, dizia o título do texto.
Abraham Weintraub
Dentro do gabinete de Bolsonaro, Alvim não era o único contestado por abraçar o nazifascismo. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, em discursos e propostas demonstrou não ter medo de expor as facetas mais obscuras da extrema-direita, dialogando com os perfis de direita vaporwave – chamados de fashwaves (fascismo + vaporwave), que em fóruns promovem linchamentos virtuais e ameaças. A própria rejeição completa a Paulo Freire e a perseguição às universidades também são pontos a se destacar.
Em entrevista à Folha de São Paulo, Odilon Caldeira Neto, professor de História da Universidade Federal de Juiz de Fora e uma das principais referencias em estudos sobre nazifascismo no Brasil, afirmou que o pensamento nazifascista “é partilhado, em maior ou menor grau, por outros setores do governo” e destacou a figura de Weintraub, chamando a atenção para a fala conspiratória de que o comunismo comandaria o país e deveria ser combatido.
Por Revista Fórum